Através
do régulo Gungunhana, detentor
do vastíssimo império de Gaza, no atual território de Moçambique, entramos em
contacto com a cultura africana que resistia à colonização, uma cultura que se
nos afigura cruel e sanguinária. Porém, o domínio branco esteve longe de
apaziguar tais costumes, ou de dar um exemplo de civilidade, pois também ele se
revelou na violência gratuita, com doses insuportáveis de arrogância, gerando a
colossal revolta que se conhece.
O
romance de Ana Cristina Silva dá-nos a perspetiva africana, pela voz de
Gungunhana, mas também da portuguesa colonizadora, através do oficial de cavalaria
Mouzinho de Albuquerque, o captor do régulo. Gungunhana acaba por ser
trazido para Lisboa como um troféu. Ele, sete das suas mulheres e mais alguns
parentes, incluindo um filho, são exibidos como animais de zoo à ignorante
sociedade portuguesa de finais do século XIX. Segue-se o exílio nos
Açores.
Mouzinho
de Albuquerque consegue subjugar as tribos à administração colonial portuguesa
e é aclamado pela imprensa como um herói da pátria, mas, nos corredores do
Paço, criticam-se os seus métodos, ao mesmo tempo que o governo se revela
indiferente em relação aos seus planos para África. Sentindo-se incompreendido
e inútil, a que se junta uma paixão secreta pela rainha D. Amélia, Mouzinho de
Albuquerque acaba por se suicidar.
A
notícia da sua morte é recebida com algum regozijo por Gungunhana, no seu
exílio no Monte Brasil, uma floresta da ilha Terceira onde ele se refugia e se
entretém a caçar coelhos, por ser um local que lhe lembra a sua terra-natal. O
antigo régulo nunca mais pisará terras africanas, morrendo amargurado.
As
reflexões perante a evidência da morte, tanto do régulo africano, como do seu
captor, são o ponto de partida para este romance
escrito a duas vozes. A autora apresenta-nos as duas versões sem tomar partido
nem deixar transparecer um julgamento ou uma opinião que seja, o que muito apreciei.
Põe igualmente em evidência a amargura do fim, qualquer fim, mesmo o daqueles
que, em algum momento da sua vida, conheceram a glória.
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