«- Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltasar, minha
filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que
deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que
precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a
violência de um pai é sempre amor» (p.33).
Quando leio absurdos destes, arrepio-me. Porém, é precisamente em palavras destas que está o valor desta obra de Camilo
Castelo Branco. É o retrato de uma época, onde a violência, física e
psicológica, imperava nas relações humanas e no seio da própria família.
Qualquer conflito se resolvia à paulada e as armas de fogo eram uma constante.
«Não sofras com paciência», diz Simão numa das suas cartas a
Teresa, «luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder
paternal é uma afronta» (p. 67).
O amor trágico de Teresa e Simão comoveu-me, mas não tanto
como seria de esperar. Não me arrancou lágrimas, antes um abanar de cabeça
incrédulo, pois só jovens totalmente carentes, cujas famílias não lhes
transmitiram amor e carinho suficientes, criam paixões tão obsessivas.
Antigamente, dizia-se que eram almas com grande capacidade de entrega. Hoje,
sabe-se que os jovens procuram fora aquilo que não lhes dão em casa. E,
quanto mais falta sentem de algo, mais obsessivos se tornam.
Sei que esta é uma interpretação desabitual deste romance,
mas é a minha interpretação. De resto, Camilo Castelo Branco é exímio na
caracterização da época, deixando sempre uma nota crítica subjacente,
nomeadamente, em relação ao comportamento do pai de Teresa e da mãe de Simão, uma
mulher fria, mais preocupada em manter as aparências do que com a felicidade
dos filhos.
Camilo Castelo Branco surpreende-nos a cada passo:
«a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza que é toda
galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerências, absurdezas e vícios no
homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai
vivendo e morrendo» (p. 71).
Amor de Perdição,
além de romance, é um documento que importa preservar e ler. Camilo
e Eça deviam ser sempre obrigatórios, no ensino. Se Eça caracterizou a alta
sociedade e a vida citadina, Camilo fê-lo com a província, mostra-nos a maneira de pensar e de
viver do, por muitos apelidado, “Portugal profundo”, o Portugal do século XIX,
cuja mentalidade está bem patente numa frase do pai de Teresa, ao ser informado
de que a filha estaria às portas da morte:
«Que a não desejava morta, mas, se Deus a levasse, morreria
mais tranquilo, e com a sua honra sem mancha» (p. 103).
Nota: li a versão ebook,
disponível no Projecto Adamastor.
Há tanto mas tanto tempo que li este livro.
ResponderEliminarTenho que o reler um dia destes.
Bjs
Vale a pena, Dulce.
ResponderEliminarBjs