Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

12 de maio de 2016

Amor de Perdição




«- Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltasar, minha filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a violência de um pai é sempre amor» (p.33).

Quando leio absurdos destes, arrepio-me. Porém, é precisamente em palavras destas que está o valor desta obra de Camilo Castelo Branco. É o retrato de uma época, onde a violência, física e psicológica, imperava nas relações humanas e no seio da própria família. Qualquer conflito se resolvia à paulada e as armas de fogo eram uma constante.

«Não sofras com paciência», diz Simão numa das suas cartas a Teresa, «luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma afronta» (p. 67).

O amor trágico de Teresa e Simão comoveu-me, mas não tanto como seria de esperar. Não me arrancou lágrimas, antes um abanar de cabeça incrédulo, pois só jovens totalmente carentes, cujas famílias não lhes transmitiram amor e carinho suficientes, criam paixões tão obsessivas. Antigamente, dizia-se que eram almas com grande capacidade de entrega. Hoje, sabe-se que os jovens procuram fora aquilo que não lhes dão em casa. E, quanto mais falta sentem de algo, mais obsessivos se tornam.

Sei que esta é uma interpretação desabitual deste romance, mas é a minha interpretação. De resto, Camilo Castelo Branco é exímio na caracterização da época, deixando sempre uma nota crítica subjacente, nomeadamente, em relação ao comportamento do pai de Teresa e da mãe de Simão, uma mulher fria, mais preocupada em manter as aparências do que com a felicidade dos filhos.
Camilo Castelo Branco surpreende-nos a cada passo:

«a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza que é toda galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerências, absurdezas e vícios no homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai vivendo e morrendo» (p. 71).

Amor de Perdição, além de romance, é um documento que importa preservar e ler. Camilo e Eça deviam ser sempre obrigatórios, no ensino. Se Eça caracterizou a alta sociedade e a vida citadina, Camilo fê-lo com a província, mostra-nos a maneira de pensar e de viver do, por muitos apelidado, “Portugal profundo”, o Portugal do século XIX, cuja mentalidade está bem patente numa frase do pai de Teresa, ao ser informado de que a filha estaria às portas da morte:

«Que a não desejava morta, mas, se Deus a levasse, morreria mais tranquilo, e com a sua honra sem mancha» (p. 103).

Nota: li a versão ebook, disponível no Projecto Adamastor.


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