Neste pequeno (grande) livro, o mestre Lev Tolstoi
conta-nos a história de um funcionário público, que leva uma vida convencional,
tanto a nível familiar, como a nível profissional, muito diligente, o que lhe
permite chegar a juiz. Esta vida rotineira, sem grandes novidades, à qual Ivan Ilitch
se adapta perfeitamente pelo conforto que lhe proporciona, é arrasada por uma
doença, em princípio, inofensiva, mas que o leva à morte com apenas quarenta e
cinco anos.
Através da agonia insuportável de Ivan Ilitich, Lev
Tolstoi mostra-nos a falta de sentido da vida e o absurdo nas nossas relações
com os outros, mesmo com aqueles de quem nos julgamos íntimos: a própria
família. Muito se podia filosofar sobre estes temas, mas vou centrar-me nas
duas questões que mais me tocaram:
- Levamos a vida que escolhemos, ou a que os outros
esperam de nós? Ivan pergunta-se porque lhe é infligido tamanho castigo, se
sempre cumpriu o que se esperava dele, como se isso fosse o garante para não se
ser atacado pela doença e pelo sofrimento. É o pôr em causa das premissas
fundamentais na nossa educação cristã ocidental: porta-te bem e serás
recompensado; porta-te mal e serás castigado. A partir destas premissas,
passamos a vida a tentar agradar aos outros e a fazer apenas aquilo que
julgamos ser de nós esperado. Sacrificamo-nos na esperança de obter uma
recompensa que, afinal, ninguém sabe onde está, que talvez nem exista...
- A família é considerada o nosso último reduto. Mas
temos realmente relações francas e abertas com aqueles com quem partilhamos o
lar, ou andamos a fingir uns com os outros? Durante a doença, o fingimento torna-se
claro a Ivan Ilitch. Chega à conclusão de que ele, a mulher e os dois filhos
vivem uma grande mentira e a doença provoca um constrangimento sem limites. No
início, todos fazem de conta de que não é grave, apesar de Ivan sentir o contrário,
o que leva ao seu isolamento, numa angústia insuportável. O paciente sente-se
incompreendido, um empecilho, principalmente, quando já ninguém pode negar a
evidência de que ele está a morrer. Ao seu sofrimento atroz, junta-se a
consciência de que está a causar sofrimento aos outros, numa altura em que ele tanto
precisaria de consolo. Ninguém está em condições de lho proporcionar. Todos
rezam pela sua morte breve, acima de tudo, para que possam, enfim, retomar a sua vida normal. Ao
sentimento de culpa de Ivan Ilitch, junta-se uma grande revolta. É a solidão
total.
Nota: li a edição distribuída
pela revista VISÃO, traduzida
por Adolfo Casais Monteiro.