Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

25 de julho de 2018

Humanae Vitae

Completam-se hoje 50 anos sobre a publicação da Encíclica Humanae Vitae, pelo Papa Paulo VI. E perguntam-me vocês porque venho assinalar o aniversário de uma encíclica papal? Na verdade, não se trata de uma encíclica qualquer, foi publicada na sequência de uma inovação da Medicina que pôs a cabeça dos altos dignitários da Igreja Católica em água: a pílula, método anticoncecional praticamente infalível.

Todos sabemos que, a não ser talvez em alguns casos de um maior fanatismo religioso, ninguém se impressionou com o conteúdo desta encíclica, nem mesmo as mais conservadoras mães de família, frequentadoras da igreja.

O conteúdo é também mais ou menos conhecido, mas, ao ler um artigo sobre ele, chamou-me a atenção uma pequena passagem, que confirma três características da Igreja Católica (e que, mau grado os esforços do Papa Francisco, ainda hoje se mantêm): machismo, um total desconhecimento da vida em comum entre homem e mulher por parte de senhores (alegadamente) celibatários e uma grande hipocrisia.

A passagem em questão é a seguinte (e estou a traduzir do alemão): “o homem pode perder o respeito pela mulher, já que esta passa a estar sexualmente disponível em qualquer momento”!

A maior evidência machista é o facto de aos senhores bispos e cardeais nem sequer passar pela cabeça que também a mulher pode tirar proveito da pílula. Não! A pílula, embora tomada pela mulher, só serve para que os homens possam ter relações sexuais quando muito bem lhes apetecer!

A ignorância da vida em comum, aliada à hipocrisia, assenta na crença, ou no princípio, de que os homens sempre respeitaram as mulheres antes do surgimento da pílula! Não sei se ria, se chore. Todos sabemos que a mulher sempre foi um objeto sexual para o homem, mesmo dentro do casamento.

À altura do meu nascimento, ainda se vivia em ditadura e a minha família era extremamente católica. Ora, eu sempre ouvi dizer às minhas duas avós que a mulher devia obedecer ao homem, mesmo na cama. A mulher não se devia recusar ao homem, cabia-lhe cumprir os seus deveres conjugais, sempre que a ele (e só a ele) lhe apetecesse.

Então como ficamos, senhores bispos e cardeais? Afinal, os homens sempre contaram com as suas esposas estarem sexualmente disponíveis, com ou sem contracetivos. Sejam lá sinceros: nunca nenhum de vocês acreditou realmente que os homens só quisessem fazer sexo para serem pais, concedendo à mulher a oportunidade de ser uma mãe extremosa, pois não? E já agora acrescento: se os homens apenas respeitavam as mulheres pela possibilidade de se tornarem mães, não as respeitavam de todo como ser humano.

Porque aí é que está a questão: o homem respeitar a mulher como ser humano. Tal atitude é imune a qualquer pílula.

Dir-me-ão que me ocupo com coisas antigas, ultrapassadas. Pois, até hoje, não houve nova encíclica a desmentir a Humanae Vitae! Tal como antigamente, e em certos aspetos, a Igreja parece que se limita a “brincar às casinhas”.

Adenda: entretanto, fui espreitar a passagem na versão portuguesa (da wikipedia):
É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada.

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