Costumamos pensar nos cães como seres cheios de
energia, alegria e apetite, a saltar e a correr sem nunca se cansarem e a
esvaziar as suas tigelas de ração em segundos. Contudo, hoje em dia, com
cuidados médicos e higiene, os nossos cães (pelo menos, os de companhia)
atingem idades não imagináveis até há bem pouco tempo.
É o caso da nossa, Lucy que, esperamos, completará
quinze anos no próximo dia 30. Digo “esperamos”, porque, nas últimas semanas,
temos apanhado muitos sustos, chegando a vê-la como morta por duas
vezes.
A Lucy, que está surda e quase cega, sofre de
insuficiência cardíaca e acumulação de líquido nos pulmões, o que, por sua vez,
sobrecarrega ainda mais o coração. Em cães, problemas cardíacos costumam
exprimir-se através de uma tosse seca, que, ao tornar-se profunda, pode
desembocar em colapso. Foi o que lhe aconteceu já por duas vezes.
À semelhança dos humanos, estes problemas de saúde
podem ser atenuados através de medicação, proporcionando alívio e qualidade de
vida. A Lucy toma um comprimido para baixar a tensão, outro diurético (para se
livrar do líquido acumulado nos pulmões) e outro de apoio cardíaco.
Os medicamentos, como é óbvio, custam dinheiro. Além
disso, o Horst e eu passámos a viver num certo sobressalto, pois, caso ela comece
a tossir (incluindo de noite), receamos um ataque fatal. O diurético também faz
com que ela tenha de urinar mais vezes, aumentando a atenção a ter com ela, a fim de evitar “acidentes” dentro de casa,
o que limita igualmente o tempo em que ela pode ficar sozinha.
Vida num certo sobressalto, restrições nos compromissos,
dinheiro gasto… Tudo por causa de uma cadela? dirão alguns. Não tem jeito
nenhum! Compreendo esse ponto de vista, mas vemos as coisas de maneira
diferente. Ao trazer a Lucy para nossa casa, com apenas oito semanas de vida,
no já longínquo Natal de 2003, assumimos o compromisso de cuidar de um ser vivo.
A Lucy nunca aprendeu a viver por sua conta e risco e, apesar de não ser humana,
também tem um coração, um cérebro, carências afetivas e uma necessidade enorme
de interação e de vida social (como todos os cães). Trata-se de um ser vivo que
depende totalmente de nós. Principalmente agora, que deixou de ouvir e quase de
ver, ela só se sente segura e feliz na nossa companhia.
É uma questão de moral e de ética e não vamos fugir às
nossas responsabilidades. Nem sequer acelerar a sua morte sem haver motivos que
o justifiquem. Nenhum dos veterinários consultados (tivemos de ir ao vet, durante
a nossa estadia em Portugal, e também já fomos à veterinária dela, aqui na Alemanha)
sugeriu, ou sequer abordou ao de leve, a eutanásia para o caso da Lucy. Consideram
ela ainda ter qualidade de vida. E têm razão. Embora ela coma menos do que
antigamente, ainda participa na nossa vida e adora ir dar os seus passeios.
Fico espantada, de cada vez que saio com ela e a vejo a caminhar ligeira, à
minha frente, interessadíssima em controlar o seu “território”, como sempre o
fez. Nesses momentos, penso que ela ainda viverá uns largos meses. Sei, no entanto,
que também pode morrer de um momento para o outro. É uma situação que temos de
aceitar, à qual temos de nos habituar.
A Lucy pode confiar em nós. E sabe disso. Uma relação com um animal só funciona se for baseada em confiança mútua, confiança a 100%, que não
deve ser nunca quebrada, pois é algo que eles não entendem. É uma questão de
honra, de parte a parte. E assim aprendemos nós, humanos, qual é a base do amor
incondicional, a base da felicidade.
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