Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

19 de outubro de 2018

O cão sénior



Costumamos pensar nos cães como seres cheios de energia, alegria e apetite, a saltar e a correr sem nunca se cansarem e a esvaziar as suas tigelas de ração em segundos. Contudo, hoje em dia, com cuidados médicos e higiene, os nossos cães (pelo menos, os de companhia) atingem idades não imagináveis até há bem pouco tempo.

É o caso da nossa, Lucy que, esperamos, completará quinze anos no próximo dia 30. Digo “esperamos”, porque, nas últimas semanas, temos apanhado muitos sustos, chegando a vê-la como morta por duas vezes.

A Lucy, que está surda e quase cega, sofre de insuficiência cardíaca e acumulação de líquido nos pulmões, o que, por sua vez, sobrecarrega ainda mais o coração. Em cães, problemas cardíacos costumam exprimir-se através de uma tosse seca, que, ao tornar-se profunda, pode desembocar em colapso. Foi o que lhe aconteceu já por duas vezes.

À semelhança dos humanos, estes problemas de saúde podem ser atenuados através de medicação, proporcionando alívio e qualidade de vida. A Lucy toma um comprimido para baixar a tensão, outro diurético (para se livrar do líquido acumulado nos pulmões) e outro de apoio cardíaco.

Os medicamentos, como é óbvio, custam dinheiro. Além disso, o Horst e eu passámos a viver num certo sobressalto, pois, caso ela comece a tossir (incluindo de noite), receamos um ataque fatal. O diurético também faz com que ela tenha de urinar mais vezes, aumentando a atenção a ter com ela, a fim de evitar “acidentes” dentro de casa, o que limita igualmente o tempo em que ela pode ficar sozinha.



Vida num certo sobressalto, restrições nos compromissos, dinheiro gasto… Tudo por causa de uma cadela? dirão alguns. Não tem jeito nenhum! Compreendo esse ponto de vista, mas vemos as coisas de maneira diferente. Ao trazer a Lucy para nossa casa, com apenas oito semanas de vida, no já longínquo Natal de 2003, assumimos o compromisso de cuidar de um ser vivo. A Lucy nunca aprendeu a viver por sua conta e risco e, apesar de não ser humana, também tem um coração, um cérebro, carências afetivas e uma necessidade enorme de interação e de vida social (como todos os cães). Trata-se de um ser vivo que depende totalmente de nós. Principalmente agora, que deixou de ouvir e quase de ver, ela só se sente segura e feliz na nossa companhia.

É uma questão de moral e de ética e não vamos fugir às nossas responsabilidades. Nem sequer acelerar a sua morte sem haver motivos que o justifiquem. Nenhum dos veterinários consultados (tivemos de ir ao vet, durante a nossa estadia em Portugal, e também já fomos à veterinária dela, aqui na Alemanha) sugeriu, ou sequer abordou ao de leve, a eutanásia para o caso da Lucy. Consideram ela ainda ter qualidade de vida. E têm razão. Embora ela coma menos do que antigamente, ainda participa na nossa vida e adora ir dar os seus passeios. Fico espantada, de cada vez que saio com ela e a vejo a caminhar ligeira, à minha frente, interessadíssima em controlar o seu “território”, como sempre o fez. Nesses momentos, penso que ela ainda viverá uns largos meses. Sei, no entanto, que também pode morrer de um momento para o outro. É uma situação que temos de aceitar, à qual temos de nos habituar.

A Lucy pode confiar em nós. E sabe disso. Uma relação com um animal só funciona se for baseada em confiança mútua, confiança a 100%, que não deve ser nunca quebrada, pois é algo que eles não entendem. É uma questão de honra, de parte a parte. E assim aprendemos nós, humanos, qual é a base do amor incondicional, a base da felicidade.





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