Li esta interessante entrevista a Fernando Naporano e pus-me a fazer considerações sobre a maneira como escrevo. Saiu este texto:
Escrevo prosa: romances e contos. Levanto-me
muito cedo e gosto mais de escrever durante a manhã. De tarde, não tenho
ocasião e, ao serão, não consigo ser criativa. O ato de criação é, para mim,
muito cansativo e só me sinto apta a ele na frescura da manhã. Ao serão,
aproveito para fazer revisões. Revejo inúmeras vezes aquilo que escrevo, no
mínimo, dez vezes, algumas passagens ou cenas seguramente vinte ou trinta
vezes.
Tento sempre escrever entre duas a
três horas seguidas. Menos do que duas horas, não compensa, e mais do que três,
não consigo, começo a ficar cansada e vazia.
Para escrever um romance histórico,
é claro que tenho de fazer muita pesquisa. Já os contos são ideias que me
surgem, não preciso de pesquisar nada. Tenho alguns contos por publicar e
muitos mais na cabeça.
Nunca sinto medo de não corresponder
às expectativas. Escrevo aquilo que sinto. Quem gosta, gosta; quem não gosta,
não gosta.
Com projetos longos, romances de duzentas
ou mais páginas, fico um pouco ansiosa. Antigamente, ficava mais, tinha medo de
me esquecer de ideias que me surgiam logo no início para o meio ou o fim do
texto. Com o tempo, fiquei mais calma, a experiência ensinou-me que essas
ideias raramente se perdem. Pelo contrário: à medida que o enredo avança,
surgem outras melhores. Às vezes, porém, é difícil parar de escrever, quando penso que ainda tenho mais de cem ou de duzentas à
minha frente.
Escrevo seguramente de maneira
diferente hoje do que há dez ou vinte anos, quando comecei. Sou mais sucinta e
consigo “chamar” melhor os sentimentos. No início, estava bastante bloqueada.
Sentia necessidade de escrever, mas, por vezes, não sabia bem o quê. Hoje,
identifico mais facilmente.
O conselho que daria a mim mesma, se pudesse recuar,
seria o conselho que daria a qualquer principiante: pratica, escreve, sempre,
só com a prática se aprende!
Tenho dois grandes projetos que não
sei se chegarei a realizar. O primeiro seria um romance sobre a vida de Cristo,
com o foco na sua relação com a família. Há passagens da Bíblia que falam em
irmãos de Jesus. Como se daria ele com esses irmãos? Há outra passagem em que
ele diz que um profeta é reconhecido em todo o lado, menos na sua própria casa.
A família desconfiaria da sua sanidade mental? Também é curioso que Jesus nunca
se dirija a Maria com a palavra “mãe”, diz sempre “mulher”. Maria foi elevada,
pelo Cristianismo, a modelo de mãe ideal e, no entanto, o seu próprio filho
nunca a apelida de “mãe”. «Que queres tu, mulher?» pergunta Jesus, quando ela o
aborda, nas bodas de Canaã. Tudo isso seriam aspetos da sua vida que gostaria
de explorar. De uma maneira geral, interessam-me muito as relações familiares,
porque pouco do que as famílias expõem corresponde à realidade. Desconfio,
porém, que nunca chegue a realizar este projeto.
O segundo seria um romance que
caracterizaria a vida numa aldeia transmontana, ao longo de várias gerações.
Ando a pesquisar a minha família e a vida na aldeia-natal do meu pai com esse
fito e já constatei que as relações entre as pessoas estão carregadas de
violência. De novo, as relações familiares, aquilo que fica escondido, as
tragédias que se dão e ninguém consegue explicar (e, no entanto, têm sempre uma
explicação, nada do que fazemos é por acaso). Este projeto já me parece mais
realizável.