Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

2 de abril de 2022

Easy nach Assisi

 


“Com calma/leveza até Assis” (sim, os alemães também usam anglicismos), um título que soa como um slogan publicitário, próprio de um manual de instruções sobre peregrinação. Na verdade, é também um título carregado de ironia, pois a viagem que relata esteve longe de ser easy o tempo todo. Assim como não é leve o motivo que a provocou. 

O autor, Christian Busemann, escreve roteiros para, e produz programas de, televisão, uma vida stressada, sendo ele ainda casado e pai de dois filhos. Quando um ataque de pânico lhe surge do nada (terror, suores e taquicardia), ele, sem fazer ideia do motivo, resolve consultar uma psicóloga. E relembra um pequeno/grande pormenor não resolvido na sua vida: o pai morreu de ataque cardíaco, quando ele tinha quatro anos, e ninguém lhe disse nada! À pergunta do pequeno porque o seu querido pai, de repente, desapareceu, dizem-lhe que viajou. Mas, quando insiste, querendo saber quando volta, a mãe e restantes adultos ficam atrapalhados e remetem-se ao silêncio.

O miúdo aprende que não deve falar no assunto, passa a ser tabu, na vida da família, inclusive entre ele e o irmão mais velho. A família é frequentadora da missa, aos domingos, e o pequeno Christian passa aquele verão a pedir a Deus, todas as semanas, o regresso do pai. Até que, desiludido, acaba por desistir. E por esquecer. Quando, porém, já frequenta a escola e acontece as outras crianças lhe perguntarem pelo pai, ele não sabe responder. E sente vergonha por isso. Algures, durante a juventude, fica a saber a verdade. Mas o assunto mantém-se proibido, apesar de Christian ter muita curiosidade sobre o pai.

Faz-se adulto, casa, forma família e esquece de vez o assunto. Até àquele dia, em que se vê desesperado, aterrorizado, sem saber porquê. Nas conversas com a psicóloga, lembra-se de algo que ouviu contar sobre o pai e que o intrigou: ainda frequentador do liceu, o pai teve uma ligação a Assis, a cidade de São Francisco, onde passou vários verões! E Christian Busemann, a necessitar de pôr a sua vida em ordem, toma uma decisão: tira três semanas de férias para percorrer a pé o “caminho de São Francisco”, entre Florença e Assis. Sozinho e sem saber italiano.

Com humor, ironia, mas também com momentos dramáticos, tanto no seu interior, como perante dificuldades que lhe surgem, Christian Busemann conta-nos a sua caminhada de 180 km, ao encontro do pai e de si próprio. Momentos há em que duvida que consiga chegar a Assis. E, se conseguir, sentirá lá a presença do pai? Que fazia ele lá, todos os anos, nas férias? Haverá ainda lá gente que se lembra dele, gente que lhe possa contar algo sobre ele?

Sem pretensões em ser uma obra literária, este livro é muito emotivo, por vezes, comovente, e sempre agradável de ler. Além do drama pessoal do autor, dá conselhos práticos a quem esteja interessado em peregrinar, seja sobre a preparação da viagem, a bagagem, ou como actuar em situações inesperadas, como uma trovoada, de repente, no meio do nada, ou como arranjar um local para dormir, à pressa, num país estranho.

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