Na época medieval, houve uma infanta portuguesa que se tornou rainha da Dinamarca, estando sepultada junto de outros reis e rainhas medievais, na Sankt Bendts Kirke (Igreja de São Bento), em Ringsted, perto de Copenhaga. Porém, segundo Anabela Natário, autora do livro representado na imagem, o seu epitáfio identifica-a apenas como irmã do conde da Flandres.
Esta identificação, apesar de incompleta, não é falsa. Tudo começou com o avô desta infanta portuguesa, D. Afonso Henriques, ao casar a sua filha Teresa com Filipe da Alsácia, conde da Flandres. O consórcio durou apenas seis anos e o casal não teve filhos (do primeiro casamento de Filipe com Elisabeth de Vermandois também não houve descendência). O conde da Flandres embarcou em várias cruzadas e acabou por sucumbir, em setembro de 1190, a uma epidemia, durante o cerco a Akkon.
A infanta D. Teresa, ou Matilde, como ficou conhecida por aquelas paragens, por identificação com sua mãe (Mafalda, ou Matilde de Saboia), viu-se assim confrontada com a falta de sucessão e socorreu-se da numerosa prole de seu irmão, D. Sancho I. Nomeou o sobrinho, infante D. Fernando de Portugal, seu sucessor e negociou o casamento dele com Joana de Hainaut. O casal teve, porém, apenas uma filha, que morreu jovem. E, sendo a História da Europa Central intrincada e o condado da Flandres muito disputado, o filho de D. Sancho I viu-se envolvido em várias lutas, acabando prisioneiro do rei de França por cerca de doze anos e perdendo o seu valioso condado.
Fernando de Portugal, conde da Flandres, prisioneiro de Filipe Augusto, rei de França
Bem, tudo isto para dizer que, ao viajar para a Flandres, ao encontro da sua noiva, o infante D. Fernando levou consigo a irmã D. Berengária. E Valdemar II da Dinamarca, ao enviuvar, escolheu esta infanta portuguesa para um segundo consórcio, união igualmente negociada pela tia Teresa. A condessa regente da Flandres pretenderia um aliado contra o rei de França, que exigia a devolução de territórios flamengos conquistados outrora. Há algo, porém, a acrescentar: Valdemar II teria tido, ainda como príncipe herdeiro, contacto com a família real portuguesa. Segundo Anabela Natário, «muitos autores escreveram que D. Sancho I e Valdemar se teriam conhecido em 1189 e lutado lado a lado, ainda Berengária não era nascida. [Valdemar] teria entrado no rio Tejo, à frente de uma armada de cruzados cristãos vinda da Dinamarca e da Frísia (…), que antes de rumar à Terra Santa, ajudaria o rei português a conquistar o Algarve aos muçulmanos» (p.169).
Valdemar II e D. Berengária casaram em Maio de 1214, na semana de Pentecostes. Mas a infanta portuguesa, feita rainha da Dinamarca, morreria em 1221, com pouco mais de vinte anos, depois de já ter dado quatro filhos à luz. Não se sabe as razões da sua morte, mas poderia ter sido de parto, como tantas vezes acontecia.
Berengária era realmente irmã do conde da Flandres. Porém, se é esta a única informação que consta do seu epitáfio, o povo dinamarquês, em geral, não conhece a verdadeira origem desta sua rainha.
Existe, no entanto, outro caso de uma infanta portuguesa assinalada, ainda segundo Anabela Natário, como «filha do rei de Espanha», no seu epitáfio dinamarquês! Mas disso falarei noutra ocasião.
Nota de rodapé: a infanta D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, é-nos apresentada, neste livro de Anabela Natário, como Teresa Henriques (pp.84 e seguintes), designação com a qual não posso concordar. Filhos e filhas adquiriam o apelido do pai, a partir do nome próprio deste, com uma terminação derivada do genitivo latino (por isso, Henriques filho de Henrique; Sanches filha de Sancho; Gonçalves filho de Gonçalo, etc.). Este apelido não transitava para netos e netas. Sendo Teresa filha de Afonso (e não obedecendo o nome de Afonso à regra do genitivo latino), a designação correta para esta infanta portuguesa seria Teresa Afonso.
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