Nas minhas infância e juventude, acontecia ouvir com uma certa frequência a expressão "Maria-rapaz". Dizia-se de meninas que eram vivaças, gostavam de corridas, de trepar às árvores ou de outras brincadeiras consideradas serem de rapazes. Mostrar entusiasmo com uma boa dose de decibéis também estava reservado aos representantes do sexo masculino.
A expressão era dita num tom muito crítico, ou mesmo acusatório. O objetivo era gerar vergonha. Por acaso, em minha casa, abria-se uma exceção. Era de mim esperado que eu jogasse futebol com o meu irmão, ou que cooperasse nas corridas de carrinhos Matchbox por os meus pais acharem eu dever entreter o menino. Aquilo que vinha mascarado de avanço civilizacional era, no fundo, uma outra maneira de acentuar a superioridade dos interesses masculinos. Nem sequer se punha a hipótese de que o meu irmão, a fim de retribuir um pouco da atenção por mim dada aos seus interesses, se juntasse àss minhas brincadeiras com bonecas ou tachos de miniatura.
Falei em avanço civilizacional, porque, em relação aos anos 1960/70, as mulheres são hoje mais bem aceites na vida pública, exercendo profissões anteriormente reservadas a homens. Até o futebol feminino tem vindo a considerar-se "normal". No entanto, no que respeita à infância, e tendo-se extremado as posições, há quem entre em verdadeiro histerismo ao ver meninas em brincadeiras de rapazes, ou a usar roupas parecidas com as deles. A "Maria-rapaz" parece representar uma maior ofensa aos adultos sensíveis do que há quarenta ou cinquenta anos.
Tudo isto é muito estranho num país que possui, entre os heróis nacionais, uma mulher, digamos, masculinizada.
Aprendeu a manejar a espada e o pau com tal mestria que depressa alcançou fama de valente.
Oh, diabo, mas isto da Padeira de Aljubarrota é muito woke, não vos parece? Será que se pode falar dela nas aulas de Cidadania?
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