O SOLHO DESCOMUNAL
Faz hoje 704 anos que D. Dinis mandou elaborar uma ata curiosa, assinada por testemunhas de alta guisa e autenticada por um escrivão. Nela ficaram descritas as características de um solho descomunal pescado no Tejo, perto de Santarém.
Tal documento intriga os historiadores, perguntam-se em que circunstâncias terá ocorrido a sua elaboração. Sendo comummente aceite que D. Dinis era dado à vida boémia, criei uma cena alusiva, no meu romance sobre o Rei Lavrador.
A cantiga acabou entre aplausos e gargalhadas estrondosas e os convivas reclamavam a sua repetição, quando um criado anunciou pretender D. Guedelha, rabi-mor do reino, falar com el-rei. Tinha um colosso de peixe para lhe mostrar. Dinis mandou-o entrar e D. Guedelha surgiu acompanhado por quatro serviçais carregando um solho descomunal acabado de retirar do Tejo.
- Assim que lhe pus os olhos em cima - afirmou o judeu, - disse para a minha gente: ala a mostrá-lo a el-rei, que nunca na sua vida viu tal.
- E é verdade - concordou Dinis. - Estais de parabéns, D. Guedelha. Pegai numa taça e bebei connosco.
Depois de se inclinar numa vénia, o rabi-mor agradeceu. Os fidalgos começaram a comentar as dimensões do colosso: na boca, caberia um raposo inteiro e, desde aí, até à cauda, contavam-se, no espinhaço, trinta escamas do tamanho de conchas. Constatou-se ainda que o peixe media dezassete palmos e meio de comprimento e sete de grossura. El-rei quis saber quanto pesava e sugeriu que se deslocassem à adega, onde se encontrava a balança.
- E vamos todos. Um colosso destes merece testemunhas de peso.
Os fidalgos, rindo da piada achada oportuna, levantaram-se, com as suas taças de vinho na mão. O alferes-mor João Afonso, que mal se aguentava em pé, ia ainda apossar-se de uma jarra, quando o cunhado de la Cerda lhe atirou:
- Homem, deixai aqui a jarra, que ainda a derramais pelas escadas abaixo.
As gargalhadas aumentaram ainda de tom às palavras do falcoeiro Afonso Fernandes de Baião:
- Onde já se viu? O homem tem medo de morrer à sede numa adega cheia de pipas.
Em passos trôpegos e no meio de grande algazarra, lá chegaram ao seu destino. Depois de se pesar o peixe, pasmaram: dezassete arrobas e meia, pelos pesos de Santarém.
Todos juravam nunca haver visto cousa assim e Dinis ordenou que o fenómeno ficasse registado. Mandou procurar um escrivão que estivesse sóbrio. E logo ali se elaborou uma acta, onde se registaram as medidas e o peso do solho, confirmadas pela assinatura de todos os presentes.
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