Faz hoje 697 anos que foi instituída, no reino de Portugal, a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, através da bula
Ad ea ex quibus
de João XXII. O papa determinava que a nova Ordem se destinava a manter
a cruzada religiosa contra os sarracenos. Atribuiu-lhe a regra de
Calatrava, sujeitou-a à jurisdição do abade de Alcobaça e colocou a sua
sede em Castro Marim.
A Ordem de Cristo veio substituir a dos
Templários, suprimida pelo papa Clemente V, influenciado pelo rei
francês Filipe IV, que tudo fez para difamar os cavaleiros do Templo.
Dinis tornou a receber notícias da Santa Sé: a bula Regnans in coelis,
que compreendia um relato dos crimes de que os Templários eram
acusados. Clemente V insistia naquilo que Dinis considerava um absurdo,
não havia dúvida de que se tornara num mero instrumento de Filipe IV.
Mas o que tinha o monarca francês contra a Ordem do Templo? Seriam
verdadeiros os rumores de que, estando à beira da ruína, Filipe
pretendia apoderar-se do valioso património? Acabar com uma Ordem,
criada pela própria Santa Sé, no início das cruzadas, e queimar centenas
de freires como hereges, apenas por ganância?
Na
Península Ibérica, porém, a campanha de difamação não encontrou grande
eco, devido à fama dos Templários, criada nas lutas da Reconquista. À
semelhança dos outros reis hispânicos, Dom Dinis protegeu a Ordem e
promoveu diligências para que uma outra fosse criada, entregando à Ordem
de Cristo todos os bens que tinham pertencido aos Templários. Teve, no
entanto, de enfrentar alguma oposição interna:
Em
Março, quando se deu início à construção de um claustro no mosteiro de
Alcobaça, Dinis recebeu notícias da Santa Sé que confirmavam os receios
do Mestre. Numa bula com data de 22 de Novembro, intitulada Pastoralis praeeminentiae,
Clemente V recomendava a todos os príncipes da Cristandade a prisão dos
Templários e a confiscação dos seus bens. Dinis entrou em contacto com o
genro Fernando IV e o cunhado Jaime II e resolveu-se não se tomarem
medidas, enquanto se aguardava pelo resultado do inquérito do clero
hispânico, o que aliás implicava ignorar a bula.
Em
Abril, quando Dinis chegou à Beira, constatou que tal resolução estava
longe de agradar a toda a gente. O bispo da Guarda Dom Vasco Martins de
Alvelos advogava o cumprimento das recomendações do pontífice:
-
Ignorais uma bula papal? E olvidais que Jacques de Molay confessou os
pecados mais terríveis? Heresia, usura, sodomia! Se os franceses se
davam a essas práticas repugnantes, os hispânicos não serão mui
diferentes…
-
Credes realmente que os freires do Templo fomentavam tais costumes? -
contrapôs Dinis. - Sob tortura, qualquer um é levado a confessar,
principalmente, o que não fez. Além disso, o Mestre francês desmentiu a
sua confissão dois meses mais tarde.
- O que prova a sua falta de carácter!
- Ou constatar o não cumprimento de certas promessas?
O bispo olhou o seu monarca desconfiado:
- Que quereis dizer?
-
Frei Vasco Fernandes é de opinião que Jacques de Molay terá confessado
os crimes, acima de tudo, perante a promessa de que, se o fizesse, os
restantes irmãos seriam poupados aos suplícios que ele próprio já
experimentara. Mais tarde, ao verificar que tal não passava de uma
mentira, desmentiu a sua confissão.
-
Ora, Alteza, é claro que eles se protegem uns aos outros! A opinião de
Frei Vasco Fernandes, neste caso, é mais do que suspeita.
Dinis olhou o prelado de soslaio, convencido de que ele cobiçava o património dos freires. Retorquiu:
-
Tenho Frei Vasco Fernandes em grande estima e confio no seu juízo. Como
aliás em todos os membros portugueses da Ordem. Bem sabeis como eles
sempre lutaram com bravura contra a ameaça sarracena e como a sua
presença é preciosa em muitos pontos da fronteira, garantindo a defesa e
o povoamento.
Depois de um momento de vacilação, o bispo insistiu:
- As bulas papais são para se cumprirem!
-
Pois eu estou certo que na Hispânia não se ateará uma fogueira que seja
contra os Templários! Nem tão-pouco se procederá à alienação dos seus
bens!
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