Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

14 de março de 2016

Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo

 
Imagem daqui

Faz hoje 697 anos que foi instituída, no reino de Portugal, a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, através da bula Ad ea ex quibus de João XXII. O papa determinava que a nova Ordem se destinava a manter a cruzada religiosa contra os sarracenos. Atribuiu-lhe a regra de Calatrava, sujeitou-a à jurisdição do abade de Alcobaça e colocou a sua sede em Castro Marim.
A Ordem de Cristo veio substituir a dos Templários, suprimida pelo papa Clemente V, influenciado pelo rei francês Filipe IV, que tudo fez para difamar os cavaleiros do Templo.

Dinis tornou a receber notícias da Santa Sé: a bula Regnans in coelis, que compreendia um relato dos crimes de que os Templários eram acusados. Clemente V insistia naquilo que Dinis considerava um absurdo, não havia dúvida de que se tornara num mero instrumento de Filipe IV. Mas o que tinha o monarca francês contra a Ordem do Templo? Seriam verdadeiros os rumores de que, estando à beira da ruína, Filipe pretendia apoderar-se do valioso património? Acabar com uma Ordem, criada pela própria Santa Sé, no início das cruzadas, e queimar centenas de freires como hereges, apenas por ganância?

Na Península Ibérica, porém, a campanha de difamação não encontrou grande eco, devido à fama dos Templários, criada nas lutas da Reconquista. À semelhança dos outros reis hispânicos, Dom Dinis protegeu a Ordem e promoveu diligências para que uma outra fosse criada, entregando à Ordem de Cristo todos os bens que tinham pertencido aos Templários. Teve, no entanto, de enfrentar alguma oposição interna:

Em Março, quando se deu início à construção de um claustro no mosteiro de Alcobaça, Dinis recebeu notícias da Santa Sé que confirmavam os receios do Mestre. Numa bula com data de 22 de Novembro, intitulada Pastoralis praeeminentiae, Clemente V recomendava a todos os príncipes da Cristandade a prisão dos Templários e a confiscação dos seus bens. Dinis entrou em contacto com o genro Fernando IV e o cunhado Jaime II e resolveu-se não se tomarem medidas, enquanto se aguardava pelo resultado do inquérito do clero hispânico, o que aliás implicava ignorar a bula.
Em Abril, quando Dinis chegou à Beira, constatou que tal resolução estava longe de agradar a toda a gente. O bispo da Guarda Dom Vasco Martins de Alvelos advogava o cumprimento das recomendações do pontífice:
- Ignorais uma bula papal? E olvidais que Jacques de Molay confessou os pecados mais terríveis? Heresia, usura, sodomia! Se os franceses se davam a essas práticas repugnantes, os hispânicos não serão mui diferentes…
- Credes realmente que os freires do Templo fomentavam tais costumes? - contrapôs Dinis. - Sob tortura, qualquer um é levado a confessar, principalmente, o que não fez. Além disso, o Mestre francês desmentiu a sua confissão dois meses mais tarde.
- O que prova a sua falta de carácter!
- Ou constatar o não cumprimento de certas promessas?
O bispo olhou o seu monarca desconfiado:
- Que quereis dizer?
- Frei Vasco Fernandes é de opinião que Jacques de Molay terá confessado os crimes, acima de tudo, perante a promessa de que, se o fizesse, os restantes irmãos seriam poupados aos suplícios que ele próprio já experimentara. Mais tarde, ao verificar que tal não passava de uma mentira, desmentiu a sua confissão.
- Ora, Alteza, é claro que eles se protegem uns aos outros! A opinião de Frei Vasco Fernandes, neste caso, é mais do que suspeita.
Dinis olhou o prelado de soslaio, convencido de que ele cobiçava o património dos freires. Retorquiu:
- Tenho Frei Vasco Fernandes em grande estima e confio no seu juízo. Como aliás em todos os membros portugueses da Ordem. Bem sabeis como eles sempre lutaram com bravura contra a ameaça sarracena e como a sua presença é preciosa em muitos pontos da fronteira, garantindo a defesa e o povoamento.
Depois de um momento de vacilação, o bispo insistiu:
- As bulas papais são para se cumprirem!
- Pois eu estou certo que na Hispânia não se ateará uma fogueira que seja contra os Templários! Nem tão-pouco se procederá à alienação dos seus bens!

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