A tradição atribuiu a D. Teresa o papel de vilã, a viúva que se envolveu em aventuras amorosas, prejudicando o próprio filho, obrigando-o a revoltar-se. A realidade terá sido um pouco diferente e D. Teresa merecia um lugar bem mais prestigiante na nossa História (o que, aliás, vem acontecendo, nos últimos anos). Tanto ela, como a irmã D. Urraca, afirmaram-se num mundo de homens, dirigindo os destinos de vastos territórios.
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O desejo de D. Afonso Henriques se tornar rei teve origem na própria mãe. D. Teresa intitulou-se rainha e reclamava para si a Galiza, como parte da herança de seu pai, o imperador D. Afonso VI. Junto com D. Fernão Peres de Trava, o mais poderoso nobre galego, planeava a junção do Condado Portucalense à Galiza. Porém, além da oposição de sua irmã, regente dos reinos de Leão e Castela, D. Teresa via-se a braços com a resistência dos barões de Entre Douro e Minho, a quem não agradava o protagonismo de Fernão Peres de Trava. Estes representantes das mais poderosas famílias portucalenses abandonaram a corte da rainha, em Coimbra, e reuniam-se em conspirações no Paço de D. Paio Mendes da Maia, arcebispo de Braga:
- A D. Fernão Peres foi concedida a tenência de Coimbra, - lançou Soeiro Mendes Grosso, cheio de desdenho.
- A maior humilhação, - atalhou Paio Soares - é o facto de D. Fernão nos limitar a confirmantes de documentos, tirando-nos qualquer papel de protagonismo na luta contra os almorávidas. Acaso esquece ele que foram os senhores da Maia que conquistaram o castelo de Montemor-o-Velho, às portas de Coimbra, numa altura em que aquelas terras ainda estavam nas mãos dos infiéis? - Acrescentou, orgulhoso: - Todos os meus antepassados participaram nas campanhas da Beira, comandadas por el-rei D. Fernando, o Magno, que culminou com a conquista da própria cidade de Coimbra.
- E vosso pai, - completou o arcebispo - o meu falecido irmão, foi governador de Santarém, ao tempo em que essa cidade pertencia ao imperador D. Afonso VI, mas que, infelizmente, se encontra novamente em poder da mourama.
Perderam-se em lembranças, recordaram glórias militares, sentados em redor da lareira do arcebispo. Também a família de Egas Moniz se podia orgulhar dos seus pergaminhos. Os Gascos, antepassados dos Ribadouro, tinham combatido igualmente os mouros, antes da conquista de Coimbra, e intervindo na ocupação do vale do Douro, a leste da foz do rio Paiva. A indignação contra o galego Fernão Peres de Trava, que se atrevia a tomar conta dos destinos do Condado Portucalense, ia crescendo. Os ânimos exaltaram-se, o arcebispo acabou a bradar:
- Pois eu, meus senhores, com a autoridade que Deus delegou nas minhas mãos, declaro a ligação entre D. Teresa e D. Fernão Peres incestuosa!
- Pelo amor de Deus, eminência, - assustou-se Egas Moniz.
- Bem sabeis que a nossa rainha já andou de amores com D. Bermudo Peres de Trava, o próprio irmão do actual amante.
- O mesmo D. Bermudo, - acrescentou Ermígio Moniz - que casou há meses com a sua filha D. Urraca Henriques. D. Teresa fez do amante seu próprio genro.
O jovem Afonso Henriques era educado pelos irmãos Ermígio e Egas Moniz, que pertenciam à vaga de senhores descontentes. Por outro lado, começou a participar na corte de sua mãe, a partir dos catorze anos, confirmando os documentos mais importantes. A sua assinatura figurava ao lado da do próprio Fernão Peres de Trava. Mas a situação tornou-se insustentável. Por um lado, os barões portucalenses exerciam pressão sobre ele; por outro, o conde galego representava realmente uma ameaça ao seu direito de sucessão:
D. Paio Mendes aclarou a garganta e retorquiu:
- Bem... o que está em causa é o facto de ela ter estabelecido uma relação... íntima com a parentela do conde de Trava. Muitos de nós receiam que o Condado caia nas mãos de D. Fernão Peres.
Estas palavras puseram Afonso desconfortável, fizeram-no lembrar que a sua estadia em Coimbra não correra como ele planeara. Apesar de ter confirmado vários documentos, não conseguira falar a sós com sua mãe sobre o seu verdadeiro papel na corte. Fernão Peres esgueirava-se por entre eles como uma serpente, com os seus olhos verdes, que a Afonso se assomavam venenosos. Os Trava eram famosos por aquela cor rara, gabava-se a beleza das suas mulheres. E os olhos verdes de D. Fernão tinham, pelos vistos, enfeitiçado a sua mãe.
O que mais desiludira o jovem, porém, fora a indiferença de D. Teresa perante as suas dúvidas. Contara com o interesse e o apoio dela, mas sua mãe mantinha-se distante. Afonso ainda tentara interessá-la pela sua instrução guerreira. Ela, porém, tinha-o despachado com um gesto impaciente, exactamente como fazia quando ele era pequeno. O que criara perguntas incómodas na cabeça do infante: teria que aguentar, para sempre, a sombra de Fernão Peres atrás de si? Que planos teria sua mãe para o futuro? E porque não os revelava ao seu único varão?
Tenho o livro do Cassotti: adorei! E o pedaço aqui: adorei!
ResponderEliminarmais uma vez, aprendi algo, foi esclarecedor e sou fã aqui do espaço.
ResponderEliminarA tradição já não é o que era.
ResponderEliminarO final...abre o apetite para saber a continuação!
Olá cara amiga Cristina Torrão, é sempre um prazer navegar por aqui, e ler e reler de novo toda a sua narrativa, sobre estas histórias e acontecimentos do passado, é bastante interessante, tenho estado a aprender com a sua partilha, muito obrigado, vou continuar a seguir.
ResponderEliminarE aproveitando a passagem, em relação á sua pergunta sobre a fotografia do modelo da figura de afonso henriques, essa figura foi construida e pintada pelo meu irmão que é tambem como eu um modelista de miniaturas, eu faço mais recriações de temas de comboios a vapor, ele é que faz mais figuras históricas, e a figura de afonso henriques, foi uma figura, inspirada na altura da tomada de lisboa, al-Ushbuna 1147 ( Conquista de Lisboa 1147 ), se quiser visitar o blogue do meu irmão, esta é a morada: http://www.em-miniatura.blogspot.com/, e se pretender usar alguma imagem pode usar mas tera de usar sempre a sua proviniência, neste blogue poderá também encontrar outras figuras históricas portuguêsas, algumas até um pouco esquecidas.
Por agora despeço-me com amizade, desejando tudo de bom, para si e todos os seus.
Com os meus cumprimentos, até breve, um abraço.
José Filipe / 12 Fevereiro 2011
Obrigada pelas suas informações, José Filipe. De facto, a figura de Afonso Henriques está muito bem conseguida, surgirá aqui uma das fotos em breve :)
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