Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

9 de fevereiro de 2011

A Rainha D. Teresa

O facto de o reino de Portugal ter tido a sua origem numa luta entre mãe e filho, com um amante da primeira pelo meio, à semelhança do complexo de Édipo, já deu azo às mais variadas interpretações. No entanto, disputas familiares eram frequentes na Idade Média, em que os reinos mais não eram do que "propriedade familiar", que se transmitia de geração em geração.

A tradição atribuiu a D. Teresa o papel de vilã, a viúva que se envolveu em aventuras amorosas, prejudicando o próprio filho, obrigando-o a revoltar-se. A realidade terá sido um pouco diferente e D. Teresa merecia um lugar bem mais prestigiante na nossa História (o que, aliás, vem acontecendo, nos últimos anos). Tanto ela, como a irmã D. Urraca, afirmaram-se num mundo de homens, dirigindo os destinos de vastos territórios.


A Esfera dos Livros


O desejo de D. Afonso Henriques se tornar rei teve origem na própria mãe. D. Teresa intitulou-se rainha e reclamava para si a Galiza, como parte da herança de seu pai, o imperador D. Afonso VI. Junto com D. Fernão Peres de Trava, o mais poderoso nobre galego, planeava a junção do Condado Portucalense à Galiza. Porém, além da oposição de sua irmã, regente dos reinos de Leão e Castela, D. Teresa via-se a braços com a resistência dos barões de Entre Douro e Minho, a quem não agradava o protagonismo de Fernão Peres de Trava. Estes representantes das mais poderosas famílias portucalenses abandonaram a corte da rainha, em Coimbra, e reuniam-se em conspirações no Paço de D. Paio Mendes da Maia, arcebispo de Braga:


- A D. Fernão Peres foi concedida a tenência de Coimbra, - lançou Soeiro Mendes Grosso, cheio de desdenho.
- A maior humilhação, - atalhou Paio Soares - é o facto de D. Fernão nos limitar a confirmantes de documentos, tirando-nos qualquer papel de protagonismo na luta contra os almorávidas. Acaso esquece ele que foram os senhores da Maia que conquistaram o castelo de Montemor-o-Velho, às portas de Coimbra, numa altura em que aquelas terras ainda estavam nas mãos dos infiéis? - Acrescentou, orgulhoso: - Todos os meus antepassados participaram nas campanhas da Beira, comandadas por el-rei D. Fernando, o Magno, que culminou com a conquista da própria cidade de Coimbra.
- E vosso pai, - completou o arcebispo - o meu falecido irmão, foi governador de Santarém, ao tempo em que essa cidade pertencia ao imperador D. Afonso VI, mas que, infelizmente, se encontra novamente em poder da mourama.
Perderam-se em lembranças, recordaram glórias militares, sentados em redor da lareira do arcebispo. Também a família de Egas Moniz se podia orgulhar dos seus pergaminhos. Os Gascos, antepassados dos Ribadouro, tinham combatido igualmente os mouros, antes da conquista de Coimbra, e intervindo na ocupação do vale do Douro, a leste da foz do rio Paiva. A indignação contra o galego Fernão Peres de Trava, que se atrevia a tomar conta dos destinos do Condado Portucalense, ia crescendo. Os ânimos exaltaram-se, o arcebispo acabou a bradar:           
- Pois eu, meus senhores, com a autoridade que Deus delegou nas minhas mãos, declaro a ligação entre D. Teresa e D. Fernão Peres incestuosa!
            - Pelo amor de Deus, eminência, - assustou-se Egas Moniz.
            - Bem sabeis que a nossa rainha já andou de amores com D. Bermudo Peres de Trava, o próprio irmão do actual amante.
            - O mesmo D. Bermudo, - acrescentou Ermígio Moniz - que casou há meses com a sua filha D. Urraca Henriques. D. Teresa fez do amante seu próprio genro.


O jovem Afonso Henriques era educado pelos irmãos Ermígio e Egas Moniz, que pertenciam à vaga de senhores descontentes. Por outro lado, começou a participar na corte de sua mãe, a partir dos catorze anos, confirmando os documentos mais importantes. A sua assinatura figurava ao lado da do próprio Fernão Peres de Trava. Mas a situação tornou-se insustentável. Por um lado, os barões portucalenses exerciam pressão sobre ele; por outro, o conde galego representava realmente uma ameaça ao seu direito de sucessão:


             D. Paio Mendes aclarou a garganta e retorquiu:
            - Bem... o que está em causa é o facto de ela ter estabelecido uma relação... íntima com a parentela do conde de Trava. Muitos de nós receiam que o Condado caia nas mãos de D. Fernão Peres.
            Estas palavras puseram Afonso desconfortável, fizeram-no lembrar que a sua estadia em Coimbra não correra como ele planeara. Apesar de ter confirmado vários documentos, não conseguira falar a sós com sua mãe sobre o seu verdadeiro papel na corte. Fernão Peres esgueirava-se por entre eles como uma serpente, com os seus olhos verdes, que a Afonso se assomavam venenosos. Os Trava eram famosos por aquela cor rara, gabava-se a beleza das suas mulheres. E os olhos verdes de D. Fernão tinham, pelos vistos, enfeitiçado a sua mãe.
O que mais desiludira o jovem, porém, fora a indiferença de D. Teresa perante as suas dúvidas. Contara com o interesse e o apoio dela, mas sua mãe mantinha-se distante. Afonso ainda tentara interessá-la pela sua instrução guerreira. Ela, porém, tinha-o despachado com um gesto impaciente, exactamente como fazia quando ele era pequeno. O que criara perguntas incómodas na cabeça do infante: teria que aguentar, para sempre, a sombra de Fernão Peres atrás de si? Que planos teria sua mãe para o futuro? E porque não os revelava ao seu único varão?

5 comentários:

Blondewithaphd disse...

Tenho o livro do Cassotti: adorei! E o pedaço aqui: adorei!

Daniel Santos disse...

mais uma vez, aprendi algo, foi esclarecedor e sou fã aqui do espaço.

António R. disse...

A tradição já não é o que era.
O final...abre o apetite para saber a continuação!

Anónimo disse...

Olá cara amiga Cristina Torrão, é sempre um prazer navegar por aqui, e ler e reler de novo toda a sua narrativa, sobre estas histórias e acontecimentos do passado, é bastante interessante, tenho estado a aprender com a sua partilha, muito obrigado, vou continuar a seguir.
E aproveitando a passagem, em relação á sua pergunta sobre a fotografia do modelo da figura de afonso henriques, essa figura foi construida e pintada pelo meu irmão que é tambem como eu um modelista de miniaturas, eu faço mais recriações de temas de comboios a vapor, ele é que faz mais figuras históricas, e a figura de afonso henriques, foi uma figura, inspirada na altura da tomada de lisboa, al-Ushbuna 1147 ( Conquista de Lisboa 1147 ), se quiser visitar o blogue do meu irmão, esta é a morada: http://www.em-miniatura.blogspot.com/, e se pretender usar alguma imagem pode usar mas tera de usar sempre a sua proviniência, neste blogue poderá também encontrar outras figuras históricas portuguêsas, algumas até um pouco esquecidas.
Por agora despeço-me com amizade, desejando tudo de bom, para si e todos os seus.
Com os meus cumprimentos, até breve, um abraço.

José Filipe / 12 Fevereiro 2011

Cristina Torrão disse...

Obrigada pelas suas informações, José Filipe. De facto, a figura de Afonso Henriques está muito bem conseguida, surgirá aqui uma das fotos em breve :)