Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

16 de março de 2014

História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (11)


Tirando algumas torres de castelos, não havia construções prisionais de raiz. Sendo a respectiva função muito desvalorizada, não se lhe afectavam boas casas; as cadeias eram geralmente pardieiros, muitas vezes um anexo da pobre casa do carcereiro. Não tinham quaisquer condições de conforto, de salubridade, não separavam os detidos: criminosos empedernidos misturavam-se com devedores, com crianças apanhadas a fazer asneiras, com alguma mulher de língua mais destravada, com inocentes indevidamente acusados. Comiam e dormiam todos juntos. Só no reinado de D. Manuel, e aproveitando os excedentes de um imposto extraordinário, a Coroa manda investir na construção de espaços prisionais minimamente dignos, desde logo com separação por sexos. O que mais atormentava os presos? É difícil escolher: o frio ou o calor; a sujidade (sem latrinas nem facilidades higiénicas de qualquer tipo, era um espectáculo habitual, por exemplo no Porto, ver sair da prisão uma fila de gente acorrentada, de todas as idades e dos dois sexos, conduzida pelo carcereiro, para se aliviar no espaço público fronteiro antes de regressar ao cárcere); a fome; a falta de auxílio na doença; a promiscuidade; sobretudo o confinamento físico, terrível para gente habituada ao ar livre, e de enlouquecer quando os detidos estavam presos às paredes com cadeias que lhes corriam pelos pés ou por uma argola à volta do pescoço. Mais do que tudo, a falta de luz. Muitos morreram na cadeia, e os que lá passaram demasiado tempo para a sua capacidade de resistência física, psíquica e material podem ter regressado à liberdade apenas para constatarem que já não conseguiam manter o seu lugar na comunidade a que antes pertenciam.

Marginalidade e Marginais, Luís Miguel Duarte (pp. 194/195)


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