Num serão de Março, as taças de vinho esvaziavam-se facilmente e o rei encarregou os trovadores João Anes Redondo e Pêro Anes Coelho de entoarem a sua nova cantiga. Começava com um lamento dirigido à natureza, uma donzela pedia às flores notícias do amigo que tardava em aparecer, receando que ele lhe houvesse mentido. O refrão consistia precisamente na pergunta: Ai Deus, e onde está?
Ai flores, ai flores do verde pino
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que m’ há jurado,
Ai Deus, e u é?
A natureza interpelada punha fim à angústia da donzela, dizendo-lhe que o amigo estava vivo e sano e viria ter com ela dentro do prazo prometido. A simplicidade e o ritmo harmónico da cantiga pôs os convivas a cantar o refrão «Ai Deus, e u é?» em coro:
Vós me perguntades polo voss’ amigo?
e eu bem vos digo que é san’ e vivo.
Ai Deus, e u é?
Vós me perguntades polo voss’ amado?
e eu bem vos digo que é viv’ e sano.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san’ e vivo,
e será vosc’ ant’ o prazo saído.
Ai Deus e u é?
E eu bem vos digo que é viv’ e sano,
e será vosc’ ant’ o prazo passado.
Ai Deus, e u é?
Se o fervor dos aplausos surpreendeu Dinis, maior foi o seu espanto, quando se exigiu a repetição da cantiga:
Ai flores, ai flores do verde pino
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Os versos não custavam a fixar e em breve todos cantavam em conjunto com os trovadores, erguendo as suas taças na altura do refrão:
Ai Deus, e u é?
Gerara-se uma rara descontração e, assim que a cantiga chegou ao fim, foi exigida uma terceira vez! Aquela noite parecia diferente das outras, havia algo de especial no ar morno, convidativo ao deleite.
Notação musical original de Dom Dinis ©Arquivo Nacional Torre do Tombo
Era mais um dia esplêndido e os fidalgos e as damas, ao embrenharem-se pelos prados, começaram espontaneamente a entoar a cantiga do serão:
Ai flores, ai flores do verde pino,
Se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Parecia feitiço! Dinis espantava-se mais uma vez com o efeito de uma cantiga que não lhe dera grande trabalho a compor. Escrevia outras, bem mais elaboradas, que lhe custavam muito esforço e que, embora apreciadas, asinha se olvidavam. Parecia haver magia naquelas palavras e naquele ritmo:
Ai flores, ai flores do verde ramo,
Se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
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