Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de maio de 2016

Flores do Verde Pino

Esta cantiga de amigo deve ser a mais conhecida de Dom Dinis. Hoje deixo-vos com momentos das cenas que escrevi à volta destes versos:

Pauta e Músicos.jpg

Num serão de Março, as taças de vinho esvaziavam-se facilmente e o rei encarregou os trovadores João Anes Redondo e Pêro Anes Coelho de entoarem a sua nova cantiga. Começava com um lamento dirigido à natureza, uma donzela pedia às flores notícias do amigo que tardava em aparecer, receando que ele lhe houvesse mentido. O refrão consistia precisamente na pergunta: Ai Deus, e onde está?

                        Ai flores, ai flores do verde pino
                        se sabedes novas do meu amigo!
                        Ai Deus, e u é?

                        Ai flores, ai flores do verde ramo,
                        se sabedes novas do meu amado!
                        Ai Deus, e u é?

                        Se sabedes novas do meu amigo,
                        aquel que mentiu do que pôs comigo?
                        Ai Deus, e u é?

                        Se sabedes novas do meu amado,
                        aquel que mentiu do que m’ há jurado,
                        Ai Deus, e u é?

A natureza interpelada punha fim à angústia da donzela, dizendo-lhe que o amigo estava vivo e sano e viria ter com ela dentro do prazo prometido. A simplicidade e o ritmo harmónico da cantiga pôs os convivas a cantar o refrão «Ai Deus, e u é?» em coro:

                        Vós me perguntades polo voss’ amigo?
                        e eu bem vos digo que é san’ e vivo.
                        Ai Deus, e u é?

                        Vós me perguntades polo voss’ amado?
                        e eu bem vos digo que é viv’ e sano.
                        Ai Deus, e u é?

                       E eu bem vos digo que é san’ e vivo,
                        e será vosc’ ant’ o prazo saído.
                        Ai Deus e u é?

                        E eu bem vos digo que é viv’ e sano,
                        e será vosc’ ant’ o prazo passado.
                        Ai Deus, e u é?

Se o fervor dos aplausos surpreendeu Dinis, maior foi o seu espanto, quando se exigiu a repetição da cantiga:
                       
                        Ai flores, ai flores do verde pino
                        se sabedes novas do meu amigo!
                       Ai Deus, e u é?

Os versos não custavam a fixar e em breve todos cantavam em conjunto com os trovadores, erguendo as suas taças na altura do refrão:

                        Ai Deus, e u é?

Gerara-se uma rara descontração e, assim que a cantiga chegou ao fim, foi exigida uma terceira vez! Aquela noite parecia diferente das outras, havia algo de especial no ar morno, convidativo ao deleite.

Notação Musical.jpgNotação musical original de Dom Dinis ©Arquivo Nacional Torre do Tombo


Era mais um dia esplêndido e os fidalgos e as damas, ao embrenharem-se pelos prados, começaram espontaneamente a entoar a cantiga do serão:

                                   Ai flores, ai flores do verde pino,
                                   Se sabedes novas do meu amigo!
                                   Ai Deus, e u é?

            Parecia feitiço! Dinis espantava-se mais uma vez com o efeito de uma cantiga que não lhe dera grande trabalho a compor. Escrevia outras, bem mais elaboradas, que lhe custavam muito esforço e que, embora apreciadas, asinha se olvidavam. Parecia haver magia naquelas palavras e naquele ritmo:

                                   Ai flores, ai flores do verde ramo,
                                   Se sabedes novas do meu amado!
                                   Ai Deus, e u é?



O meu romance sobre Dom Dinis está à venda sob a forma de ebook na LeYa Online, na Wook e na Kobo.


30 de maio de 2016

24 de maio de 2016

Foral de Vila Flor

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Verifica-se hoje o 730º aniversário do foral de Vila Flor (Trás-os-Montes), outorgado por Dom Dinis (24 de Maio de 1286).

Arco do Castelo de Vila Flor.JPG
Arco do Castelo de Vila Flor
Imagens Wikipedia

20 de maio de 2016

Morte de João XXI

João XXI.jpg
Imagem Wikipedia

A 20 de Maio de 1277, morreu o único papa português, João XXI, de acidente, em Viterbo.

Dom Dinis, de dezasseis anos, ainda não era rei, seu pai Dom Afonso III só morreria quase dois anos mais tarde, a 16 de Fevereiro de 1279. Mas o rei Lavrador terá conhecido João XXI, antigo deão da Sé de Lisboa.

Transcrevo uma pequena cena do meu romance, relativa à morte do papa português:

- O senhor vosso pai pede-vos que volvam a Lisboa! Acabou de receber a notícia do passamento de Sua Santidade o papa João XXI.
- Mestre Pedro Julião finou-se? - surpreendeu-se Dinis.
O antigo deão da Sé de Lisboa, conhecido no estrangeiro como Pedro Hispano, estudara Artes em Paris e Medicina em Montpellier. Escrevera várias obras sobre Teologia e outros campos do saber e passara temporadas na cúria papal, tornando-se físico do papa Gregório X, a quem sucedera. Ainda não era velho, nem se lhe conhecia enfermidade:
- Mas como pode tal haver sucedido?
- Foi um acidente, em Viterbo - respondeu o mensageiro. - O Santo Padre inspecionava umas obras de uma nova ala que mandara edificar no palácio dos papas, quando uma parte do edifício desabou.


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O meu romance sobre Dom Dinis pode ser adquirido na forma de ebook na LeYa Online, na Wook e na Kobo.

18 de maio de 2016

Comparações...

Gosto muito do papa Francisco, mas ele já me desiludiu duas vezes (enfim, ninguém é perfeito). A primeira foi quando elogiou um pai que lhe comunicou bater no filho, mas nunca na face, para não lhe atacar a dignidade. Na minha opinião, é grave um papa apoiar qualquer tipo de violência. Alguém me poderá dizer porque há de ser mais escandaloso bater num adulto do que numa criança? Com a agravante de que a criança é mais pequena e mais fraca do que o adulto. Não aprendemos que não devemos bater nos mais fracos, ou em todos aqueles que não se possam defender? Confesso: também eu era adepta da disciplina à custa da estalada, foi assim que aprendi. Um exame de consciência, porém, numa certa altura da minha vida, ajudou-me a perceber que a estratégia me prejudicou mais do que ajudou. 

Adiante! Passemos à segunda desilusão, esta recente, que o papa me causou:

O papa Francisco lamentou hoje que algumas pessoas sintam compaixão pelos animais, mas depois mostrem indiferença perante as dificuldades de um vizinho.

Claro que devemos pôr as pessoas à frente dos outros animais. Mas a forma que o papa escolheu para o dizer foi muito infeliz. Ele não devia fazer comparações entre pessoas, alegando que umas valem mais do que as outras, vai contra o princípio da igualdade! Além disso, quem não gosta de animais, vê-se confirmado na sua crença de que pessoas que gostam de animais não gostam de outras pessoas e isso está longe de ser verdade. Há casos e casos. Declarações destas contribuem para que ainda mais animais sofram, pois, quem ajuda animais, vai ter mais problemas, vai ser mais insultado, já que quem é contra se sente com mais legitimidade para o fazer. Um papa deve apelar à piedade e à compaixão, apelar a que ajudemos o próximo, que compartilhemos da sua tristeza... Sim, é essencial! Mas sem comparações destas, por favor!

Palavras destas são aproveitadas para cavar ainda mais o fosso entre os amigos dos animais e aqueles que os odeiam, ou seja, causam inimizades, insulto e ódios, em vez de unir! Claro que há casos extremos e comportamentos inaceitáveis, mas devíamos pensar muito, antes de compararmos pessoas, ou comportamentos. E uma pessoa com a autoridade moral do papa tem responsabilidades acrescidas.

Todos nós devíamos evitar comparações, como entre irmãos, por exemplo, dizendo que um é mais inteligente ou dinâmico que o outro, ou coisa parecida. É sempre uma grande desconsideração em relação à pessoa que fica mal vista e cria desentendimentos, inimizades, invejas, até ódio.

Não gosto de comparações, cada um é como é e cada um se dedica às causas que acha certas. Quem se dedica à causa animal, faz algo de bom e devia ser elogiado, em vez de criticado. Porque uma coisa é certa: não será por desistirmos de nos dedicarmos aos animais que o mundo ficará mais justo, ou que menos pessoas sofrerão.


16 de maio de 2016

Foral de Vila Nova de Foz Coa

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A 16 de Maio de 1299, Dom Dinis concedeu foral a Vila Nova de Foz Coa e ordenou o seu povoamento.

O meu romance sobre Dom Dinis pode ser adquirido na forma de ebook na LeYa Online, na Wook e na Kobo.

A Citação da Semana (113)

«Quem segue a sua estrela, que não dê meia-volta!»

Leonardo da Vinci



14 de maio de 2016

Cantiga de Escárnio

Do ponto de vista poético, Dom Dinis é sobretudo conhecido pelas suas cantigas de amor e de amigo. Mas ele compôs também algumas cantigas de escárnio e aproveito para lembrar uma passagem do meu romance, onde enquadrei uma dessas cantigas:

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Assim se viu Dinis rodeado de fidalgos pomposos a disputar-lhe a atenção, tentando impressioná-lo com as suas proezas, sem sequer haver uma sessão musical que o distraísse. O Paço episcopal não era o local indicado para fazer a corte às senhoras através de cantigas trovadorescas, para já não falar de uma ou outra dança.
Por entre as conversas, Dinis recordou uma cantiga de escárnio que compusera sobre um fidalgo de província, por ele apelidado de Dom Foam e que falava intermitentemente, sem se aperceber do cansaço e do tédio que causava ao seu soberano:

U noutro dia seve Dom Foam,
a mi começou gram noj’ a crecer
de muitas cousas que lh’ oí dizer.
Diss’ el: - «Ir-m’ ei ca já se deitaram»;
e dix’ eu: - «Boa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

E muit’ enfadado do seu parlar
sevi gram peça, se mi valha Deus,
e tosquiava estes olhos meus.
E quand’ el disse: - «Ir-me quer’ eu deitar»
e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

El seve muit’ e diss’ e porfiou,
e a mim creceu gram nojo por em,
e nom soub’ el se x’ era mal se bem.
E quand’ el disse: - «Já m’ eu deitar vou»
e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

Nota: o meu romance está à venda sob a forma de ebook na Leya Online, na Kobo e na Wook

12 de maio de 2016

Amor de Perdição




«- Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltasar, minha filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a violência de um pai é sempre amor» (p.33).

Quando leio absurdos destes, arrepio-me. Porém, é precisamente em palavras destas que está o valor desta obra de Camilo Castelo Branco. É o retrato de uma época, onde a violência, física e psicológica, imperava nas relações humanas e no seio da própria família. Qualquer conflito se resolvia à paulada e as armas de fogo eram uma constante.

«Não sofras com paciência», diz Simão numa das suas cartas a Teresa, «luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma afronta» (p. 67).

O amor trágico de Teresa e Simão comoveu-me, mas não tanto como seria de esperar. Não me arrancou lágrimas, antes um abanar de cabeça incrédulo, pois só jovens totalmente carentes, cujas famílias não lhes transmitiram amor e carinho suficientes, criam paixões tão obsessivas. Antigamente, dizia-se que eram almas com grande capacidade de entrega. Hoje, sabe-se que os jovens procuram fora aquilo que não lhes dão em casa. E, quanto mais falta sentem de algo, mais obsessivos se tornam.

Sei que esta é uma interpretação desabitual deste romance, mas é a minha interpretação. De resto, Camilo Castelo Branco é exímio na caracterização da época, deixando sempre uma nota crítica subjacente, nomeadamente, em relação ao comportamento do pai de Teresa e da mãe de Simão, uma mulher fria, mais preocupada em manter as aparências do que com a felicidade dos filhos.
Camilo Castelo Branco surpreende-nos a cada passo:

«a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza que é toda galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerências, absurdezas e vícios no homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai vivendo e morrendo» (p. 71).

Amor de Perdição, além de romance, é um documento que importa preservar e ler. Camilo e Eça deviam ser sempre obrigatórios, no ensino. Se Eça caracterizou a alta sociedade e a vida citadina, Camilo fê-lo com a província, mostra-nos a maneira de pensar e de viver do, por muitos apelidado, “Portugal profundo”, o Portugal do século XIX, cuja mentalidade está bem patente numa frase do pai de Teresa, ao ser informado de que a filha estaria às portas da morte:

«Que a não desejava morta, mas, se Deus a levasse, morreria mais tranquilo, e com a sua honra sem mancha» (p. 103).

Nota: li a versão ebook, disponível no Projecto Adamastor.


8 de maio de 2016

O 1º Conde de Barcelos




Faz hoje 718 anos que Dom Dinis tomou uma medida inédita: pela primeira vez, um monarca português outorgou um título simbólico a um fidalgo, o título de conde, sem estar ligado à sua função original: a de o fidalgo ser governante de um vasto território. Tratava-se apenas de um título de prestígio.

A 8 de Maio de 1298, Dom Dinis outorgou a carta de doação da vila de Barcelos «por serviço que me fez dom João Afonso [Telo] e porque o fiz conde».

Dom João Afonso Telo era um nobre leonês, senhor do castelo de Albuquerque, mas com ligações familiares a Portugal. Tornou-se grande amigo de Dom Dinis, exercendo atividades diplomáticas em nome da Coroa portuguesa. O Rei Lavrador decidiu recompensá-lo, dando-lhe o título de conde de Barcelos, mas de poder muito limitado, já que se confinava à vila de Barcelos. Este modo de proceder estava de acordo com a política de Dom Dinis de restringir o poder da nobreza, concentrando-o na Coroa.