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Else Ury, autora alemã de livros infantis da primeira
metade do século XX, foi morta nas câmaras de gás de Auschwitz, um destino
ignorado durante cinquenta anos no mundo literário alemão, apesar de os seus
livros tornarem a conhecer grande êxito depois da 2ª Guerra Mundial. A razão?
Os intelectuais alemães da literatura infanto/juvenil desdenhavam de uma escritora por eles intitulada de «propagandista do mundo
de conto de fadas”.
Else Ury ficou famosa, a partir de 1913, com uma série
dedicada a uma menina chamada Annemarie Braun, que vivia em Berlim no seio de
uma família feliz, com o pai médico, a mãe dona de casa, dois irmãos mais
velhos, uma criada, uma ama e a sua boneca. Por ser a mais nova, Annemarie
Braun era apelidada de Nesthäkchen
(benjamim), uma criança vivaça e traquina, que tinha muito a aprender, até se
tornar numa jovem obediente e, mais tarde, numa esposa e mãe perfeita. Os
episódios da série Nesthäkchen decorriam sob o esquema: «ultrapassar das regras - arrependimento - final
feliz».
Entre 1913 e 1925, a série conheceu grande sucesso.
Else Ury enriqueceu, mas nunca casou nem constituiu família própria, pelo que
se dedicou aos pais, aos irmãos e aos sobrinhos. Dir-se-ia que a sua vida
decorria perfeita, um retrato dos seus livros, até que… chegou o nazismo.
Else Ury era judia. A partir de 1933, foi proibida de
escrever e de publicar. Viu os seus livros serem retirados das livrarias. Um
dos seus irmãos suicidou-se em 1935, os outros familiares fugiram para o
estrangeiro. Else Ury ficou em Berlim. Mais! Regressou à sua cidade-natal,
depois de uma viagem que fez a Londres, em 1938! Regressou para não deixar a
mãe de noventa anos sozinha. Mas terá havido igualmente um pouco de
inconsciência? Acreditaria Else Ury no mundo conto de fadas que criara nos seus
livros?
O certo é que a sua biografia, publicada em 2007 por
Marianne Brentzel (e que finalmente revelou a vida desconhecida desta autora de
sucesso) se intitula Nada de mal me acontecerá…
(tradução livre de Mir kann doch nichts geschehen…). Else Ury confiaria na justiça e na humanidade, acreditaria que
o bem acabava por vencer o mal e terá pensado que os nazis não se preocupariam
com uma mulher que já passara os sessenta.
Como todos os judeus, ela foi despojada dos seus bens
e direitos, roubada e humilhada. Depois da morte da mãe, com 93 anos, foi
obrigada a mudar-se para o ghetto
nazi de Berlim. Em Janeiro de 1943, foi deportada para Auschwitz e guiada para
a câmara de gás, logo à chegada, por ser dada como inapta para trabalhar. Tinha sessenta e cinco anos.
Livros da Nesthäkchen publicados depois da guerra |
Apesar de gerações de meninas alemãs continuarem a ler
os seus livros, a partir dos anos 1950, e se ter feito inclusive uma série
televisiva neles baseada, em 1983, imperava o silêncio sobre o seu fim por ser
má vista pelos intelectuais. Na Alemanha de Leste, os seus livros permaneceram
proibidos até à queda do Muro de Berlim! E, no entanto, ao contrário de outros
autores do género, Else Ury acompanhou a vida da sua heroína muito para lá da
infância. Annemarie Braun, a Nesthäkchen,
tornou-se adolescente, casou, formou família e até envelheceu. No último livro
da série, publicado em 1925 e intitulado Nesthäkchen im weißen Haar, ela é uma avó de cabelos brancos.