Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

26 de fevereiro de 2018

A Morte de Ivan Ilitch






Neste pequeno (grande) livro, o mestre Lev Tolstoi conta-nos a história de um funcionário público, que leva uma vida convencional, tanto a nível familiar, como a nível profissional, muito diligente, o que lhe permite chegar a juiz. Esta vida rotineira, sem grandes novidades, à qual Ivan Ilitch se adapta perfeitamente pelo conforto que lhe proporciona, é arrasada por uma doença, em princípio, inofensiva, mas que o leva à morte com apenas quarenta e cinco anos.

Através da agonia insuportável de Ivan Ilitich, Lev Tolstoi mostra-nos a falta de sentido da vida e o absurdo nas nossas relações com os outros, mesmo com aqueles de quem nos julgamos íntimos: a própria família. Muito se podia filosofar sobre estes temas, mas vou centrar-me nas duas questões que mais me tocaram:

- Levamos a vida que escolhemos, ou a que os outros esperam de nós? Ivan pergunta-se porque lhe é infligido tamanho castigo, se sempre cumpriu o que se esperava dele, como se isso fosse o garante para não se ser atacado pela doença e pelo sofrimento. É o pôr em causa das premissas fundamentais na nossa educação cristã ocidental: porta-te bem e serás recompensado; porta-te mal e serás castigado. A partir destas premissas, passamos a vida a tentar agradar aos outros e a fazer apenas aquilo que julgamos ser de nós esperado. Sacrificamo-nos na esperança de obter uma recompensa que, afinal, ninguém sabe onde está, que talvez nem exista...

- A família é considerada o nosso último reduto. Mas temos realmente relações francas e abertas com aqueles com quem partilhamos o lar, ou andamos a fingir uns com os outros? Durante a doença, o fingimento torna-se claro a Ivan Ilitch. Chega à conclusão de que ele, a mulher e os dois filhos vivem uma grande mentira e a doença provoca um constrangimento sem limites. No início, todos fazem de conta de que não é grave, apesar de Ivan sentir o contrário, o que leva ao seu isolamento, numa angústia insuportável. O paciente sente-se incompreendido, um empecilho, principalmente, quando já ninguém pode negar a evidência de que ele está a morrer. Ao seu sofrimento atroz, junta-se a consciência de que está a causar sofrimento aos outros, numa altura em que ele tanto precisaria de consolo. Ninguém está em condições de lho proporcionar. Todos rezam pela sua morte breve, acima de tudo, para que possam, enfim, retomar a sua vida normal. Ao sentimento de culpa de Ivan Ilitch, junta-se uma grande revolta. É a solidão total.

Nota: li a edição distribuída pela revista VISÃO, traduzida por Adolfo Casais Monteiro.




2 comentários:

Rafeiro Perfumado disse...

Quando falaste de agonia insuportável pensei que não era sobre a vida do tipo mas sobre a presidência do Trump...

Cristina Torrão disse...

As agonias têm muitos rostos. E penteados :-D