José Filipe Photo |
O processo que levou à independência de Portugal foi longo, Afonso Henriques levou a cabo um verdadeiro braço de ferro com o seu primo Afonso Raimundes, ou seja, D. Afonso VII, el-rei de Leão e Castela. E, apesar de o nosso primeiro monarca nunca ter cumprido o rito de vassalagem para com o primo, declarou-se seu vassalo em dois documentos muito importantes. O primeiro, foi o Tratado de Tui, assinado a 4 de Junho de 1137. Note-se que Afonso Henriques, nesta altura, já era, há quase dez anos, o líder incontestado do Condado Portucalense. Mas ainda não se tinha dado a Batalha de Ourique, em que ele seria aclamado rei pelos seus guerreiros.
Depois de ter vencido a Batalha de São Mamede, Afonso Henriques iniciou uma política agressiva em relação ao primo, ao apropriar-se de territórios galegos. Conseguiu tornar-se senhor do sul da Galiza e mandou construir um castelo em Celmes, uma ofensa perante D. Afonso VII, pois os vassalos só podiam construir castelos com autorização do seu suserano.
D. Afonso VII, Imperador de Toda a Hispânia |
Mas o nosso primeiro rei não foi bem sucedido. D. Afonso VII, depois de se ter coroado imperador na Catedral de León, em 1135, intitulando-se, a partir daí, "Imperador de Toda a Hispânia", recuperou os territórios galegos, arrasou o castelo de Celmes e ameaçou invadir o Condado Portucalense, a fim de afastar o primo do poder. Afonso Henriques, viu-se entre a espada e a parede e concordou em assinar um tratado, em que se declarava vassalo de D. Afonso VII.
Com a mediação do arcebispo de Braga e dos quatro bispos, Afonso Henriques reconheceu o imperador de toda a Hispânia como seu suserano. Prometeu fidelidade e amizade a Afonso VII e comprometeu-se a respeitar as fronteiras da Galiza e de Leão. Como prova da sua vassalagem, o imperador confirmou-lhe o senhorio de Astorga, a cidade leonesa que pertencera aos pais do príncipe. Que, no entanto, teria que ser imediatamente devolvida, caso ele o exigisse. Além disso, como bom vassalo, Afonso Henriques comprometia-se a fornecer apoio militar a seu primo, sempre que este tal solicitasse.
É interessante verificar que, tanto este importante tratado, como as circunstâncias que a ele conduziram, surgem "abafados" na História de Portugal, não são conhecidos do grande público. E, no entanto, tratou-se de uma cerimónia imponente, em que participaram altas personalidades: o arcebispo de Braga, os bispos do Porto, Segóvia, Tui e Ourense, além de nobres de alta estirpe. Ao todo, assinaram o documento mais de cem testemunhas, entre clérigos, fidalgos e outros cavaleiros. Não será difícil imaginar o impacto que tal reunião terá tido em Tui e em toda a região adjacente.
Tui, nas margens do Rio Minho (fotografada a partir de Valença) |
Afonso Henriques, no entanto, já admitiria a hipótese de desrespeitar o combinado (o que veio a verificar-se mais tarde).
No dia seguinte, o acordo foi lido em voz alta, na presença de todos os nobres, prelados e cavaleiros. O imperador assinou-o em primeiro lugar, seguido por Afonso, o arcebispo de Braga, os quatro bispos e o resto das testemunhas. Enquanto decorriam estes procedimentos, Afonso conversava com o primo, que se ria das anedotas que ele próprio contava. O príncipe sorria por cortesia, as piadas soavam-lhe ocas.
Aos poucos, os senhores iam deixando a sala e formavam grupos no recinto do castelo. Egas Moniz conversava com o bispo do Porto e, assim que Afonso teve oportunidade, juntou-se a eles. Logo o prelado comentou:
- Missão cumprida, não é verdade?
- Mal posso esperar - retorquiu Afonso baixo, - para tornar a dedicar-me a algo útil.
Também D. João Peculiar baixou a voz:
- Considerastes esta reunião perda de tempo?
- Digamos que há coisas mais importantes. Os mouros, por exemplo, merecem uma boa lição, por terem arrasado o castelo de Leiria, que ainda nem estava pronto.
D. João Peculiar observava o príncipe atentamente, ao perguntar:
- Quer isso dizer que iremos, definitivamente, viver em paz aqui no norte?
Afonso manteve-se calado.
Paz é coisa que Portugal nunca teve e dificilmente terá, pelo menos enquanto o sol brilhar, claro!
ResponderEliminarO Pacto de Tui tem sido observado por vários lados, contudo é, para mim, e não só, Hilda Grassotti, que tem a ideia perfeita. Transcrevo:" A discussão parece-me, hoje, um tanto ociosa. Creio que a demonstração de Hilda Grassotti,.........é correcta e definitiva......apenas os compromissos de Afonso Henriques. Deviam prever-se obrigações simétricas de Afonso VII devia estar disposto a deixar o seu primo tranquilo, contanto que ele lhe respeitasse a supremacia, lhe guardasse lealdade e jurasse auxiliá-lo no caso de ser atacado por algum inimigo. A ambiguidade da situação do infante enquanto pretendente à herança de Afonso VI não era mencionada, mas o infante nem por isso perdia a categoria que a estirpr régia lhe conferia, tal como Garcia de Navarra não perdia a categoria de rei por prestar vassalagem ao imperador.Por outro lado, em 1137, dois anos depois de se coroar imperador, convinha a Afonso VII ter mais um vassalo de prestígio. Talvez este facto o levasse a ser pouco exigente nas garantias de submissão e fidelidade da parte do seu primo, Afonso Henriques, por sua vez pressionado,talvez, por alguma incursão sarracena, pode ter assinado o compromisso sem se preocupar demasiado com o seu futuro cumprimento. O que nem um nem outro esclareceram foi se o infante se comprometia na condição de herdeiro de Afonso VI (isto é, com soberania sobre Portugal) ou como herdeiro de conde D. Henrique (isto é, como representante do rei de Leão e Castela)."
ResponderEliminarin "D.Afonso Henriques", José Mattoso, p.103
Obrigada por esta sua achega, caro António.
ResponderEliminarNa verdade, um pacto de vassalidade implicava obrigações de parte a parte, não só do vassalo. E, de facto, a Afonso VII agradava ter reis como vassalos, depois de se ter coroado imperador, pois só lhe aumentava o prestígio. Por outro lado, Afonso Henriques não pretendia ser vassalo do primo, mesmo este reconhecendo o seu título real, embora tivesse dado a entender que sim (em Tui e em Zamora), mas, talvez, apenas para ganhar tempo.
A situação entre os dois primos permaneceu ambígua, como o António indica, citando o Prof. Mattoso, sem que, até hoje, se conheçam as razões. Depois da morte de Afonso VII, em, salvo erro, 1157 (ou 59), a questão resolveu-se naturalmente, já que os seus dois filhos dividiram a herança, enquanto reis, sem nenhum deles ter atingido o título de imperador.