Ruth Winkelmann, uma judia de 90 anos, é um caso raro
na História da Alemanha. Sobreviveu ao regime nazi e à guerra, sem sair de
Berlim. E, mesmo depois do conflito mundial, não deixou o país onde nasceu.
Era filha de um judeu e de uma cristã. Os pais
separaram-se, quando o ódio contra os judeus se tornou visível e eles consideraram que
os seus filhos podiam estar em perigo. Mesmo assim, Ruth, a mãe e uma irmã
viveram os anos da guerra escondidas num anexo da casa de um amigo da família, aliás,
um militante do Partido Nazi!
Ruth foi o único membro judaico da família que
sobreviveu. O pai morreu em Auschwitz, um irmão foi também assassinado pelos
nazis e uma irmã, mais nova, não resistiu à vida no esconderijo sem aquecimento
e acabou por morrer de difteria, em março de 1945, pouco tempo antes de acabar a
guerra e apenas três dias depois de completar os oito anos.
Durante 57 anos, Ruth Winkelmann não conseguiu falar
desse período da sua vida. Sempre que se falava no Holocausto, ou aparecia um
programa sobre o assunto na televisão, ela saía, em silêncio, da respetiva sala
e ficava incomunicável por algumas horas. Em 2002, porém, numa estadia de
férias na costa polaca do Mar Báltico, fez amizade com outra turista alemã.
Conversa puxa conversa e, ao aperceber-se de que ela era judia, a senhora
perguntou-lhe como tinha sobrevivido ao período nazi. Sem hesitar, surpreendendo-se
a si própria, Ruth começou a contar a sua história, uma história que estava
guardada no fundo do seu ser há tantas décadas e que, de repente, subiu à
superfície. A surpresa foi ainda maior, quando, instada pela senhora se estava
disposta a contar as suas memórias numa escola, Ruth respondeu, sem hesitar:
«Estou».
Durante três meses, anotou as suas lembranças e
vasculhou entre fotografias e documentos que havia guardado durante todo esse
tempo, mas ignorado. Foi terrível, nas suas palavras, houve dias que ela achava que não
aguentava. Mas aguentou, pois, com 74 anos, Ruth encontrara a missão da sua
vida: lutar contra o esquecimento.
Entretanto, as suas memórias foram publicadas em
livro, Plötzlich hieß ich Sara (De Repente, Chamava-me Sara) com a ajuda da historiadora Claudia Johanna Bauer. Com 90 anos, Ruth
ainda arranja força para três sessões mensais nas escolas, ou de leitura de
excertos do livro noutros contextos. Os estudantes são mais recetivos a um
destino pessoal do que a aulas estéreis de História. Numa ocasião, até fizeram
uma pequena peça de teatro, baseada em passagens do livro. Na apresentação da
peça, Ruth diz que não havia ninguém na sala que não tivesse lágrimas nos
olhos.
Ruth Winkelmann adora falar com os jovens, realizando,
em parte, um sonho seu: gostaria de ter sido professora. Porém, quando a guerra
terminou, ela tinha já dezasseis anos e não a autorizaram a encetar os estudos
interrompidos há vários anos, por já estar fora da idade. Acabou por se tornar
modista e, se a sua nova missão a ajuda a fazer as pazes com o passado, esta mágoa,
diz ela, guarda-a até hoje.
Nota: Texto baseado numa reportagem da edição de 27 de
janeiro de 2019 da KirchenZeitung, igualmente a origem da fotografia, no início.
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