Já vimos que Afonso Henriques, antes de assinar o Tratado de Zamora, prestara homenagem ao cardeal Guido de Vico, pelo que não lhe terá custado, mais uma vez, declarar-se vassalo do primo, sabendo que, em breve, tal vassalagem se tornaria obsoleta.
A 13 de Dezembro de 1143, cerca de dois meses depois do Tratado de Zamora, Afonso Henriques encontrou-se em Braga com o arcebispo D. João Peculiar e com os bispos do Porto e de Coimbra, a fim de se escrever a missiva a enviar ao Papa:
Afonso acenou em consentimento e o arcebispo dirigiu-se em latim a mestre Alberto, que já se encontrava pronto, de pena na mão e com uma nova folha de pergaminho à sua frente:
- Afonso, por graça de Deus rei de Portugal, fez homenagem à Sé Apostólica nas mãos do Cardeal dos Santos Cosme e Damião, Guido de Vico, como miles Sancti Petri. Solicita para si e para a sua terra a defesa e o auxílio da Sé Apostólica, não reconhecendo a autoridade de nenhum outro poder eclesiástico e secular, a não ser o da Santa Sé e dos seus legados, para o que pagará o censo anual de quatro onças de ouro...
A missiva Claves regni celorum, escrita a 13 de Dezembro de 1143, foi subscrita por D. Afonso Henriques e confirmada pelo arcebispo de Braga D. João Peculiar, pelo bispo D. Bernardo de Coimbra e pelo seu congénere D. Pedro Rabaldes do Porto. Ficou combinado que D. João iria a Roma no início do ano seguinte, aproveitando para travar conhecimento com o novo Papa, Celestino II. A notícia da morte de Inocêncio II, em Setembro, tinha chegado à Hispânia apenas em meados de Outubro, já Guido de Vico deixara Zamora, a caminho da Catalunha.
D. João Peculiar |
O pedido de vassalagem de D. Afonso Henriques chegou a Roma numa altura conturbada, em que se realizaram dois conclaves no espaço de seis meses. Quando finalmente o nosso primeiro rei segurou nas mãos a resposta de Lúcio II, a bula Devotionem tuam, datada de 1 de Maio de 1144, deve ter ficado desiludido.
Em primeiro lugar, o Papa não o intitulava rei e, sim ilustre duque portucalense. A razão deverá assentar no facto de que não houvera uma coroação sagrada pela Igreja. Lúcio II não dizia claramente que Afonso Henriques estaria livre da suserania do primo, optando por uma linguagem difusa: promete-lhe, tanto a ele, como aos seus sucessores, a protecção de São Pedro para as suas almas, que se pode interpretar como sendo os assuntos espirituais, e para os seus corpos, que serão os assuntos temporais.
Afonso Henriques viu-se, assim, numa situação bastante ambígua. Intitulava-se rei, desde a Batalha de Ourique, título que foi reconhecido pelo imperador, em Zamora, mas na condição de ele lhe prestar vassalagem. Por outro lado, Roma aceitava-o vassalo, ao garantir-lhe a protecção de São Pedro, libertando-o de qualquer suserania temporal, mas intitulava-o, apenas, de duque.
Daqui |
Afonso Henriques lutou, durante toda a sua vida, pelo reconhecimento do seu título real. Isto só aconteceria em 1179, com a Bula Manifestis Probatum e só apanhou o nosso primeiro rei em vida (com cerca de 70 anos), porque ele viveu mais tempo do que era costume, naquela época.
É por isso, difícil, estabelecer uma data para a fundação de Portugal:
24 de Junho de 1128, Batalha de São Mamede - Afonso Henriques alcança o poder sobre o Condado Portucalense (há quem chame a este dia "a primeira tarde portuguesa");
25 de Julho de 1139, Batalha de Ourique - Afonso Henriques é aclamado rei de Portugal pelas suas tropas e não mais deixa de utilizar este título;
5 de Outubro de 1143, Tratado de Zamora - O imperador Afonso VII reconhece oficialmente o título real a Afonso Henriques, mas este declara-se seu vassalo (o que compromete a independência de Portugal);
1 de Maio de 1144, Bula Devotionem tuam de Lúcio II - O Papa aceita a vassalagem de Afonso Henriques (o que o liberta da suserania do imperador hispânico), mas intitula-o de duque;
23 de Maio de 1179, Bula Manifestis Probatum de Alexandre III - Afonso Henriques é reconhecido como rei e Portugal como reino independente.
Selo de D. Afonso Henriques |
Chego à conclusão que o FMI sempre nos perseguiu embora com outros nomes.
ResponderEliminarTenho aprendido (aqui) muito sobre a nossa história e, o que é de realçar, é que tem sido apaixonante. Não precisamos do registo do Estado Novo para ensinarmos a nossa história ou para a tornarmos mais apetecível.
Claro que não, implume. Patriotismo não implica racismo, ou fascismo. O importante é procurar a versão mais próxima da realidade, sem entrar em falsos heroísmos.
ResponderEliminarAfonso Henriques foi um grande homem. Pode-se discutir sobre as vantagens, ou não, de se ter libertado do poder central hispânico. Mas foi um homem que perseguiu um objectivo e o atingiu, é isso que me fascina nele.
Aviso:
ResponderEliminarO blogger anda com problemas, mas, pelo menos, consegui recuperar esta mensagem (post), que tinha desaparecido. Os comentários das últimas 33 horas foram, porém, todos apagados.