Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

25 de abril de 2020

Danos colaterais

Todos sabemos que esta pandemia, como todas as catástrofes, é pródiga em danos colaterais. Não os causa só na economia, como na psique de cada um, separando famílias, proibindo os contactos sociais e constituindo um verdadeiro desafio à paciência dos agregados familiares que se veem confinados às suas quatro paredes (os efeitos nas crianças e nos jovens podem ser ainda mais marcantes do que nos adultos).

Zangas e discussões estão programadas, mesmo em famílias que se dão bem. Infelizmente, sabemos que a vida familiar está longe de ser agradável para todos, mesmo em tempos de normalidade. Não faltam casos de violência, cuja esmagadora maioria das vítimas são mulheres e crianças. Se a vida destas costuma já ser um inferno, piora, nestes tempos, não só por uma existência mais escondida, como também pela falta de momentos em que podem espairecer: na escola, no trabalho, ou mesmo em casa, enquanto o/a agressor/a está ausente. É difícil de calcular o martírio por que estão a passar muitas destas vítimas. E não esqueçamos a negligência sofrida por muitas crianças, também uma forma de violência. Quando os pais não encontram paciência para, ou se acham incapazes de, cuidar dos filhos (e não estou a falar apenas de lhes dar atenção, mas de cumprir as regras básicas de higiene, ou de alimentação, por exemplo), a mensagem (implícita) que lhes dão é: “tu não mereces que se trate de ti”, ou “tu não vales o suficiente para que alguém se preocupe contigo”. É isto que a criança interioriza e não é preciso ser psicólogo para se calcular que deixa mazelas para toda a vida.

Como se tudo isto não bastasse, também os serviços sociais se veem obrigados a cancelar muito dos seus procedimentos, ou seja, a ajuda, quando existe, diminui, ou desaparece mesmo. Foi isso que constatei numa entrevista ao Director da CARITAS no bispado alemão de Hildesheim, o psicólogo John Coughlan, que pode bem servir de referência, já que calculo que a situação seja semelhante em todo o mundo.

De facto, a ajuda e o apoio psicológico, que a CARITAS presta a crianças, jovens e famílias, estão muito limitados. Se há casos em que contactos telefónicos, por email, ou por um determinado serviço Messenger podem remediar, noutros, a situação é mais complicada. Havendo crianças em perigo, por exemplo, seja por violência, seja por negligência, as visitas ao domicílio são essenciais para que os assistentes sociais e psicólogos se inteirem da situação e possam atuar. Também o contacto telefónico pode impedir que a pessoa que pede ajuda se exprima à vontade, seja por medo de ser escutada por alguém que esteja em casa, seja por ter dificuldade em falar dos seus problemas. Num contacto pessoal, os profissionais estão mais em condições de decifrar sentimentos silenciados e de interpretar gestos e expressão corporal que possam revelar algo que a vítima esteja a esconder.

Não só a mortandade causada pelo vírus é assustadora. Todos nós tememos as consequências destes tempos estranhos. A bem da nossa saúde mental, é imprescindível manter a esperança e viver o mais normal possível.

John Coughlan deixa sugestões. O mais importante é criar uma estrutura no dia-a-dia, principalmente, com crianças, pois a disciplina ajuda a dar sentido à vida. Os pais não devem descurar as horas certas de se levantarem ou de irem para a cama. Devem também ser estabelecidas horas, ou alturas do dia, para tarefas como trabalhos escolares. As horas das refeições devem igualmente ser cumpridas e, melhor ainda, introduzir as crianças na sua preparação (sem grande severidade e com paciência para erros e desatenções). Tudo o que se faz em conjunto reforça os laços e ajuda a superar crises. Deve, no entanto, haver igualmente uma altura do dia que possibilite a cada um, se o desejar, recolher-se e ocupar-se unicamente dos seus próprios interesses.

Crise Corona.jpeg

Fotografia de Pedro Correia.


Nota: Texto originalmente publicado aqui.

5 comentários:

  1. Olá, Cristina
    Escolho a sua caixa de comentários, em vez da do Horas Extraordinárias, porque estou de quarentena relativamente àquele blog, uma vez que recebi uma "alfinetada" de um anónimo que suponho não ser de um anónimo qualquer, uma vez que "assinou" anónimo de estimação.
    Para lá de não concordar que alguém, com a perfeita disponibilidade e cortesia para comentar, não necessite de anonimato, o meio admite um nome ou pseudónimo qualquer, ao menos para se saber a quem concretamente dar respostas, pois anónimo, tais como os chapéus do filme, há muitos.
    Vou ao assunto que me interessa (que nos interessa).
    Diz ali a Cristina - que tem obra publicada sobre a época e sobre o primeiro rei - o seguinte: "D. Afonso Henriques viveu mais de 50 anos em Coimbra. Mesmo que tivesse vivido toda a primeira parte da sua vida em Guimarães (o que não aconteceu), teriam sido apenas cerca de 20 anos".
    Uma parte da vida do rei, tirando a lenda, foi passada com o aio, D. Egas Moniz, membro da ilustre nobreza de Ribadouro, a quem foi entregue o governo de S. Martinho de Mouros entre 1106 e 1111, seguindo-se a região de Lamego, entre 1113 e 1117, onde terá vivido com D. Teresa Afonso, filha do conde das Astúrias, D. Afonso. Viveu em Britiande, do termo de Lamego, onde lhe terá sido entregue o pequeno D. Afonso, filho de D. Henrique de Borgonha.
    Sendo assim, não vivei a primeira parte da vida "sempre" em Guimarães, mas também em Britiande e Cresconhe.
    Suponho ainda que D. Afonso Henriques regressou a Guimarães, onde supostamente nasceu (Viseu também isso reivindica), em 1121, já o pai falecera em 1112.
    Estes dados carreei para uma obra que fiz para uma editora, a pedido da Câmara de Lamego, em 2003.
    Talvez tenha interpretado mal o seu comentário que o situou apenas em Guimarães e Coimbra, onde situa a capital do reino (que nunca foi revogada como tal). ressalvou em parêntesis "(o que não aconteceu)" e aí estará justificado o facto de apontar apenas essas duas cidades.
    Peço desculpa de a incomodar na sua caixa de comentários, mas faça-o por este esclarecimento, longe de qualquer polémica, o que nunca faria com a Cristina, que considero boa historiadora e escritora.

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  2. Caro Santos Costa, de facto, eu falei apenas em Guimarães e Coimbra para simplificar. O meu objetivo foi unicamente salientar que D. Afonso Henriques viveu a maior parte da sua vida em Coimbra, apesar de normalmente ser identificado com Guimarães. Apenas se sabe que ele assentou arraiais em Guimarães, quando o conflito com sua mãe atingiu o auge, culminando na Batalha de São Mamede.

    Não sei se se pode falar de Coimbra como capital, penso que ainda não havia este termo. Mas é um facto que a corte portuguesa foi estabelecida em Coimbra, por D. Afonso Henriques, por volta de 1131/32 e aí ficou mais de cem anos, até D. Afonso III estabelecer a corte em Lisboa.

    E já que falou em aio: o Professor Mattoso põe a hipótese de ter sido Ermígio Moniz, o irmão de Egas Moniz, o verdadeiro aio de D. Afonso Henriques, ou pelo menos, ter dividido essa tarefa com o irmão. Ermígio Moniz era o mais velho dos Ribadouro, tenente da Terra de Faria, mas morreu cedo, razão por que o irmão Egas terá assumido o papel principal. De qualquer maneira, D. Afonso Henriques não passou a sua infância, nem, pelo menos, a primeira parte da sua juventude, em Guimarães e, sim, nas terras pertencentes a esses dois irmãos de Ribadouro.

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  3. Agradeço o seu comentário esclarecedor.
    Sobre este rei e sua mãe - até sob aquele que seria seu amante - há muitas versões, embora poucas baseadas em documentos coevos ou fidedignos. Uma dessas versões até atribui a paternidade ao próprio Egas Moniz, pois assim trataria este filho que nasceu aleijado dos membros inferiores. Daí ter nascido o milagre de Cárquere.

    Coloquei este blog na coluna dos blogs a seguir, em dois dos meus. Espero que não se importe.

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  4. Não me importo nada. Aproveito para ir conhecer os seus blogues. Contudo, e apesar de continuar a publicar aqui e no Delito de Opinião, ando um pouco desleixada com os blogues que sigo.

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  5. Tanto ando desleixada, que nem me apercebi de que já sigo os seus interessantes blogues. Mea culpa, o Facebook tira-me muito do tempo que reservo para a internet.
    Vou tentar ficar mais atenta.

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