Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

18 de abril de 2020

Anna, a brasileirinha de São Paulo



Como já aqui disse, Portugal é um país de emigrantes e é uma pena o tema não ser mais frequente na nossa literatura. Há ainda muito por contar sobre a emigração, não só no que concerne às dificuldades sentidas pelos emigrantes nos países de acolho, como às cisões familiares e seus efeitos.

Emigrar significa um corte profundo no seio de uma família, um aspeto por explorar. Para muitos portugueses, quem emigrou, desapareceu e nem vale a pena perder tempo com isso. Porém, mesmo atualmente, em que os contactos e transportes estão muito facilitados, em que se pode dizer que é um pulinho viajar da França, do Reino Unido, da Alemanha, da Suíça, ou de qualquer outro país europeu para Portugal, mesmo assim, todos conhecemos a problemática de pais (e avós) que emigraram, apenas para verem os seus sonhos desfeitos, perante filhos e netos que nasceram e/ou cresceram noutros países e não desejam regressar, pois sentem enormes dificuldades de adaptação. Como muito bem diz a autora Isabel Mateus, neste seu livro: «o que prevalece nos filhos dos imigrantes é o modo de pensar, de organizar e de agir do país onde germinaram, mesmo que se lhes vão mostrando, insistentemente, os locais de onde os progenitores e ou os antepassados são originários» (p. 154). A visão que acompanhou a vida dos mais velhos, durante décadas, esse sonho de ver a família reunida em Portugal, numa boa casa e sem problemas financeiros, desfaz-se como uma bolha de sabão.

Esta é apenas uma consequência da emigração, muito mais haveria para dizer. E a situação complica-se, ao analisarmos a emigração maciça que se deu, por exemplo, para o Brasil, em fins do século XIX e princípios do XX. Quantos habitantes das nossas aldeias não realizaram sequer o sonho de rever a terra-natal, antes de morrerem? Quantas famílias ficaram separadas para sempre? Quantos filhos não tinham sequer uma fotografia do próprio pai, que nunca chegaram a conhecer? Quantas “viúvas de maridos vivos” houve na província portuguesa? Quantas lágrimas não foram vertidas, do outro lado do oceano, quando a morte dos pais ou outros parentes se limitava a umas linhas, numa carta, sem hipóteses de assistir ao funeral?


Esta emigração para o Brasil, num tempo de população analfabeta e de transportes morosos, provocou cisões tão grandes nas famílias, que se chega ao ponto de alguém descobrir uma fotografia, como a representada acima, nos pertences de um/a parente falecido/a e não se encontrar ninguém que lhe saiba dizer quem eram essas pessoas. Só através de buscas e pesquisas aturadas, como as feitas pela narradora deste livro, se descobre quem eram esses parentes e que histórias e dramas os seus rostos encerram.

Nesta era de contactos facilitados pela internet, também do outro lado há gente que lembra histórias de infância, contadas pelos avós, contendo descrições de terras e paisagens que anseiam conhecer, assim como os parentes do país de origem. São, porém, poucos os que realmente partem à conquista desses lugares “perdidos”. E nem sempre viagens dessas lhes dão os resultados desejados, já que os descendentes dos “portugas” não passam de estranhos, numa terra estranha.

Este livro fala-nos de gente desenraizada, dos “portugas” no Brasil, que nunca conheceram Portugal e que, visitando o país de origem dos seus ascendentes, são “brasileiros em Portugal”. «Resumindo, emigrantes Cá e Lá» (p. 155). Isabel Mateus, além de conhecer bem o assunto, sendo ela própria emigrante e tendo uma família internacional (marido italiano, filhos criados no Reino Unido), é uma autora com provas dadas, tanto em poesia, como em prosa, com alguns livros recomendados pelo Plano Nacional de Leitura.

Os portugueses nunca chegarão a conhecer-se a si próprios, se não conhecerem a história dos seus emigrantes. Livros destes são bem-vindos. É lê-los!

Para mais informações sobre a autora e os seus livros clique em: Isabel Mateus-escritora

4 comentários:

Isabel Mateus disse...

Boa tarde Cristina,

Começo por agradecer a tua valiosa reflexão acerca do meu livro e do tema que este encerra: emigração portuguesa para o Brasil sobretudo no início do século XX. Muito grata!
A tua última frase é reveladora, e mesmo visionária, porque desvenda o que esconde o complexo e diversificado mundo migratório.

Beijinho e mais uma vez obrigada por esta recensão e pelo teu blogue,

Isabel Mateus

Cristina Torrão disse...

Foi com muito gosto, Isabel. Beijinho.

Lídia Borges disse...


Não li ainda este livro da Isabel Mateus, mas o tema é de facto muito interessante. Terei de o procurar, logo que possível. Somos todos feitos (também) de "Memória". Se ela falha, desvanece-se o sentido de pertença a um lugar, a uma família, a uma identidade que, como a raiz à árvore, nos dá segurança e estabilidade emocional. O fio de ligação que de certo modo é ameaçado com a emigração, pode bem restabelecer-se através da Literatura, através da arte de contar e recontar, do convite a viajar no tempo, em busca do "berço".

Um beijo e obrigada às duas.

Lídia Borges

Cristina Torrão disse...

Obrigada pela visita e pelas tuas palavras.
Beijo.