Emigrar significa um corte profundo no seio de uma
família, um aspeto por explorar. Para muitos portugueses, quem emigrou,
desapareceu e nem vale a pena perder tempo com isso. Porém, mesmo atualmente, em que os contactos e transportes estão muito facilitados, em que se pode
dizer que é um pulinho viajar da França, do Reino Unido, da Alemanha, da Suíça,
ou de qualquer outro país europeu para Portugal, mesmo assim, todos conhecemos a
problemática de pais (e avós) que emigraram, apenas para verem os seus sonhos
desfeitos, perante filhos e netos que nasceram e/ou cresceram noutros países e
não desejam regressar, pois sentem enormes dificuldades de adaptação. Como
muito bem diz a autora Isabel Mateus, neste seu livro: «o que prevalece nos
filhos dos imigrantes é o modo de pensar, de organizar e de agir do país onde
germinaram, mesmo que se lhes vão mostrando, insistentemente, os locais de onde
os progenitores e ou os antepassados são originários» (p. 154). A visão que acompanhou
a vida dos mais velhos, durante décadas, esse sonho de ver a família reunida em
Portugal, numa boa casa e sem problemas financeiros, desfaz-se como uma bolha
de sabão.
Esta é apenas uma consequência da emigração, muito mais
haveria para dizer. E a situação complica-se, ao analisarmos a
emigração maciça que se deu, por exemplo, para o Brasil, em fins do século XIX
e princípios do XX. Quantos habitantes das nossas aldeias não realizaram sequer
o sonho de rever a terra-natal, antes de morrerem? Quantas famílias ficaram separadas
para sempre? Quantos filhos não tinham sequer uma fotografia do próprio pai,
que nunca chegaram a conhecer? Quantas “viúvas de maridos vivos” houve na província
portuguesa? Quantas lágrimas não foram vertidas, do outro lado do oceano, quando
a morte dos pais ou outros parentes se limitava a umas linhas, numa carta, sem hipóteses de assistir
ao funeral?
Esta emigração para o Brasil, num tempo de população
analfabeta e de transportes morosos, provocou cisões tão grandes nas famílias,
que se chega ao ponto de alguém descobrir uma fotografia, como a representada
acima, nos pertences de um/a parente falecido/a e não se encontrar ninguém que
lhe saiba dizer quem eram essas pessoas. Só através de buscas e pesquisas
aturadas, como as feitas pela narradora deste livro, se descobre quem eram
esses parentes e que histórias e dramas os seus rostos encerram.
Nesta era de contactos facilitados pela internet,
também do outro lado há gente que lembra histórias de infância, contadas pelos
avós, contendo descrições de terras e paisagens que anseiam conhecer, assim
como os parentes do país de origem. São, porém, poucos os que realmente partem
à conquista desses lugares “perdidos”. E nem sempre viagens dessas lhes dão os
resultados desejados, já que os descendentes dos “portugas” não passam de
estranhos, numa terra estranha.
Este livro fala-nos de gente desenraizada, dos “portugas”
no Brasil, que nunca conheceram Portugal e que, visitando o país de origem dos
seus ascendentes, são “brasileiros em Portugal”. «Resumindo, emigrantes Cá e Lá»
(p. 155). Isabel Mateus, além de conhecer bem o assunto, sendo ela própria emigrante e tendo uma família internacional (marido italiano, filhos criados no Reino Unido), é uma autora com provas dadas, tanto em poesia, como em prosa, com alguns livros recomendados pelo Plano Nacional de Leitura.
Os portugueses nunca chegarão a conhecer-se a si próprios, se não conhecerem a história dos seus emigrantes. Livros destes são bem-vindos. É lê-los!
Para mais informações sobre a autora e os seus livros clique em: Isabel Mateus-escritora
Boa tarde Cristina,
ResponderEliminarComeço por agradecer a tua valiosa reflexão acerca do meu livro e do tema que este encerra: emigração portuguesa para o Brasil sobretudo no início do século XX. Muito grata!
A tua última frase é reveladora, e mesmo visionária, porque desvenda o que esconde o complexo e diversificado mundo migratório.
Beijinho e mais uma vez obrigada por esta recensão e pelo teu blogue,
Isabel Mateus
Foi com muito gosto, Isabel. Beijinho.
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ResponderEliminarNão li ainda este livro da Isabel Mateus, mas o tema é de facto muito interessante. Terei de o procurar, logo que possível. Somos todos feitos (também) de "Memória". Se ela falha, desvanece-se o sentido de pertença a um lugar, a uma família, a uma identidade que, como a raiz à árvore, nos dá segurança e estabilidade emocional. O fio de ligação que de certo modo é ameaçado com a emigração, pode bem restabelecer-se através da Literatura, através da arte de contar e recontar, do convite a viajar no tempo, em busca do "berço".
Um beijo e obrigada às duas.
Lídia Borges
Obrigada pela visita e pelas tuas palavras.
ResponderEliminarBeijo.