Depois de ter postado aqui sobre os “Portugal-Krimis”, ou seja, livros policiais situados em território
português, mas escritos por alemães, houve um escritor, com pseudónimo Mario Lima, que se manifestou nos
comentários. Este autor alemão vive há vários anos no Minho com a mulher e três
gatos e dedica-se à produção (em pequena escala) de vinho verde tinto.
Fiquei curiosa quanto aos seus livros, não só por ter
trocado impressões com ele, como por ele os situar na cidade do Porto, uma
cidade que me diz muito. Nasci em Castelo de Paiva, vivi muitos anos em Vila Nova
de Gaia e licenciei-me na Universidade do Porto. A personagem principal dos
dois livros de Mario Lima é o inspector Fonseca, da PJ do Porto.
Li o seu primeiro policial, Barco Negro, inspirado no lindíssimo
fado homónimo de Amália Rodrigues (no link indicado, pode ouvir-se a
versão original e a cantada por Mariza). Trata-se de um enredo bem construído e
uma leitura que entretém, mantendo o leitor em suspense. Não há dúvida
de que Mario Lima conhece bem o Porto e Matosinhos e consegue transmitir a
atmosfera dessas duas cidades, pelo menos, no inverno. Este foi um aspeto que
apreciei particularmente. Ainda não li mais nenhum destes “Portugal-Krimis”,
mas sempre imaginei que os autores falassem muito do sol e das praias.
Pois bem, a ação de Barco Negro decorre de
início de Novembro até Janeiro do ano seguinte, ou seja, em plena estação fria
e cheia da chuva. A história inicia-se debaixo de uma chuva torrencial, que
atrapalha o trabalho dos investigadores da PJ, quando surgem dois cadáveres em
Perafita, Matosinhos. Embora haja dias de sol pelo meio, o frio não deixa de
nos perseguir durante todo o livro, havendo inclusive uma cena passada perto de
uma casa de montanha, na zona de Montalegre, com temperaturas abaixo de zero. Pois,
isto também é Portugal! Achei igualmente interessante alguma referência ao
tempo da ditadura e à PIDE.
Entre os investigadores da PJ, encontra-se uma jovem
estagiária, psicóloga, que, na verdade, chega a roubar protagonismo ao
inspetor Fonseca, perguntando-se o leitor quem será, afinal, a personagem
principal. Enfim, o inspetor Fonseca é o único que vem mencionado na capa dos
dois livros. Não sei como é no segundo, Tod in Porto (Morte no
Porto), mas, na minha opinião, se Mario Lima pretende criar um inspetor
carismático para a sua série de policiais, vai ter de se dedicar mais ao
Fonseca e refrear a sua “paixão” pela bonita e sexy Ana Cristina.
Infelizmente, o livro só existe em língua alemã e eu
recomendaria a sua tradução. Algo que aprecio em obras destas é a nossa
imagem, vista por alguém de fora. Por isso, não resisto a traduzir uma pequena passagem
da página 265. O cenário é um hipermercado em vésperas de consoada natalícia:
«Na secção do peixe, encontravam-se quantidades extra
de bacalhaus empilhados sobre mesas. Escolher o bacalhau certo para a consoada
não era resolução para tomar de ânimo leve. Todos se aglomeravam à volta das
mesas, cada qual o melhor especialista na matéria. Um bacalhau assim, salgado e
seco, não devia ter uma cor muito esbranquiçada e também a consistência era
importante: fosse ele mole demais, não servia. As pessoas pegavam nos bacalhaus
e vergavam-nos, de olhar crítico. Era aquele o certo? A maior parte dos peixes
acabava por ser novamente atirada para a pilha. Não haveria melhor? Casais mais
velhos entreolhavam-se preocupados, abanando a cabeça. “Não valem nada”. Uma
velhota baixinha desconfiava que os melhores estavam escondidos bem lá no
fundo. Resoluta, arrancava um bacalhau a seguir ao outro do fundo da pilha,
atirando-os para cima do monte, examinando cada um deles de testa franzida.
Nada, mais uma vez. Venha o próximo!»
Texto originalmente publicado aqui.
Texto originalmente publicado aqui.
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