Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

10 de outubro de 2019

“Deus nunca se familiarizou comigo”




Traduzi desta maneira, do alemão, o título deste livro (à letra não faz muito sentido). A autora, de apenas 22 anos, inspirou-se nas suas leituras da Bíblia, exprimindo as suas dúvidas, aquilo que lhe agrada e aquilo que não lhe agrada. Achei pertinente, principalmente, por ela tentar dar vida às “personagens”, ou seja, tirá-las das Sagradas Escrituras e pô-las no mundo real. É certo que algumas dessas tentativas não são bem conseguidas. Outras, porém, tornam-se em bons motivos de reflexão, como o capítulo intitulado “Gostava de ter Eva como Padroeira”, do qual traduzo alguns excertos (pp. 19 a 23):

Gostava de ter Eva como padroeira, porque mais ninguém como ela sabe o que significa perda. Gostava que ela me dissesse quão vazia se sentiu, depois de ter sido expulsa do Paraíso.
Gostava de conversar com Eva sobre vergonha e ouvir da sua boca a palavra “distância”, pois ninguém como ela sabe sentir a vergonha e a distância. Gostava de ouvir dela que não ter vergonha significa apenas não ter segredos e que houve, uma vez, um lugar, onde nem sequer se concebia a ideia de que possa haver necessidade de nos escondermos.

Eu diria a Eva que tento sempre roubar a árvore completa, quando alguém me diz que não devo comer do seu fruto. E que vou atrás de qualquer serpente que me prometa alguma coisa.

Quero Eva para padroeira, porque ela sabe como é ser criada por Deus e, mesmo assim, não acreditar totalmente n’Ele.

Gostava de perguntar a Eva se lhe dói pensar na maçã - não por ela ter feito o que fez, mas por ter sido tão previsível. E se ela ainda interpreta a dor como sendo metade perda e metade humilhação.

Se eu fosse Eva, não falaria de certas coisas. Não falaria sobre Adão e de como ele foi autorizado a escolher o nome dela. Não falaria sobre Deus e de como Ele a vestiu, ainda antes de a expulsar do Paraíso.

Deus disse que Eva passara a poder distinguir entre o Bem e o Mal, mas eu acho que Ele sobrestimou os humanos.
Não acho que nós humanos gostemos de nos destruir. Apenas tentamos ver para além de nós. Damos pinceladas cor-de-rosa sobre os avisos dos maços de tabaco, ignoramos recomendações, toleramos amizades tóxicas e drogas leves. Falsificamos a assinatura dos contratos que celebramos connosco próprios.

Espero que o Céu não seja o Jardim do Éden e que lá não exista cobiça, nem maçãs, nem serpentes, nem saídas de emergência.
Porque, se eu fosse Eva, tornaria, em qualquer altura, a morder a maçã.


3 comentários:

António da Cunha Duarte Justo disse...

Realmente, o "morder a maçã" é certamente o momento do atingir a razão; aquilo que nos leva a descobrir o "eu" e sentir-se ser de relação a precisar de um "Tu" a encontrar no nós (Deus)!

Às margens de mim. disse...

É com muito carinho que faço tua leitura. Inicio aqui meu tempo neste blog que tem o intuito de compartilhar um pouco mais do seu conhecimento sobre tudo na vida. Encantada! Sou tua seguidora, ficarei muito feliz se você me seguir também.

Cristina Torrão disse...

Se me der acesso ao seu perfil, eu talvez pondere.