Não fosse a pandemia e ter-se-ia realizado ontem a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio. E dei comigo a pensar que o cancelamento e/ou adiamento de eventos deste tipo podem ser bem mais prejudiciais do que pensamos.
No início do confinamento, ainda houve quem pensasse (eu incluída) que a Humanidade saísse reforçada desta crise. Seríamos levados a refletir sobre os nossos hábitos e sobre aquilo que realmente queremos para o nosso mundo. Mera ilusão. A falta de contacto social e de convívio, o desespero e a insegurança, têm o efeito contrário, ou seja, a polarização e o radicalismo. Não mudámos nada desde a Idade Média, continuamos a acreditar naqueles que nos prometem fórmulas milagrosas. E continuamos a procurar bodes expiatórios, crendo em teorias da conspiração, como antigamente se acreditou que os judeus eram os culpados pela Peste Negra, pois teriam envenenado as fontes.
Eventos como os Jogos Olímpicos não deixam de ser polémicos, seja por implicarem custos astronómicos, seja por transmitirem uma harmonia mundial fictícia, seja pelos escândalos de doping. Penso, porém, que são responsáveis por um importante efeito psicológico. Em que outra cerimónia vemos quase todos os países do mundo a festejarem juntos? As imagens que nos chegam mostram pessoas de todas as nacionalidades e etnias em celebração e convívio. E nós, os do outro lado do ecrã, também vibramos, quanto mais não seja, quando o nosso próprio país entra no estádio, cheios de expectativa pelos resultados, mal podemos esperar pelas competições. Onde há aqui lugar para pensamentos negativos?
Os vencedores dão a volta ao estádio com a sua bandeira pelas costas e os espetadores seus compatriotas acham-se os melhores do mundo. Mas é uma alegria saudável, até porque é comum os detentores do pódio abraçarem-se, confraternizarem, juntando bandeiras das mais diversas origens. Assim como se veem vencedores a consolar perdedores. E quantas vezes o estádio vibra com algum/a atleta, seja de que nacionalidade for, perante uma performance desportiva de exceção?
Penso que imagens dessas são importantes, não duvido que têm um efeito psicológico positivo. Certo, os racistas não deixam de o ser. Mas dão menos importância a essa sua característica, até a escondem, porque no fundo, sabem que está errada. É essa a mensagem dos Jogos. A pandemia, por outro lado, faz sobressair o ódio por aquilo que é diferente. Temos medo, queremos distância, centramo-nos na desgraça do nosso país sem ligar aos outros, procuramos bodes expiatórios, veneramos quem confirma certos comportamentos e tendências, que em situação normal, se desaprovam. A vergonha cai.
Também o adiamento do Campeonato Europeu de Futebol masculino para 2021 pode ser mais grave do que pensamos. Mau grado toda a corrupção existente no futebol, este é igualmente um evento que cria uma atmosfera muito especial, apesar das rivalidades. Quem não se lembra do ambiente de exceção (no bom sentido) gerado no nosso país, em 2004? Claro, há hooligans e cenas menos bonitas nos estádios. Também as existem nos Jogos Olímpicos (incluindo um grave atentado em Munique). No cômputo geral, porém, o resultado é francamente positivo. As imagens de eventos desportivos que juntam nações são uma espécie de pausa nos ódios e nos rancores. E pausas dessas fazem muita falta.
P.S. O próprio Festival da Eurovisão, odiado por tantos, é bem mais benéfico para a saúde mental de milhões de pessoas do que se pensa.
Nota: texto igualmente publicado aqui.
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