Depois de Barco Negro, li mais este policial de Mario Lima, pseudónimo de um escritor alemão residente em Portugal. Confirma-se o afeto que ele tem pelo nosso país, nomeadamente, pelo Norte, onde vive. Assim como se confirma o seu talento para transmitir a atmosfera da cidade do Porto. Em Barco Negro, transportava-nos para o meio de um inverno frio e chuvoso, à volta da refinaria de Leça da Palmeira; em Morte no Porto*, vemo-nos num verão escaldante, nas margens do rio Douro, tendo por companhia os barcos rabelos enfeitados de galhardetes. Insisto em que é muito interessante ver o nosso país através dos olhos de um estrangeiro, pois apercebemo-nos de pormenores únicos que os nossos autores raramente mencionam, talvez por os acharem banais. Quando se realçam, porém, constatamos que são tudo menos isso. Quem, entre nós, escreveria que esses barcos típicos se enfeitam de galhardetes? Apenas se mencionariam os rabelos no rio Douro.
Mais uma vez, Mario Lima consegue construir suspense, num policial bem pesquisado, envolvendo cidadãos brasileiros residentes no Porto. O autor entra mesmo na cena mafiosa de São Paulo, pois os crimes, em Portugal, têm a ver com ajustes de contas entre bandos. A PJ do Porto é apresentada como um grupo dinâmico, chefiado pelo inspetor Fonseca, na busca da verdade, digna de surgir em qualquer série do género. Quando, porém, olho para a sede daquela polícia, com uma das entradas mais feias que vi em toda a minha vida, pergunto-me se a PJ será assim tão glamorosa...
A única experiência que tive com a judite portuense foi o presenciar de rusgas que se faziam a um café de Vila Nova de Gaia, no início dos anos 1980. Esse café ficava às portas do liceu que eu frequentava e era um autêntico centro de tráfico de droga. Nós, os alunos do liceu, íamos lá tomar café, ou lanchar, convivendo lado a lado com os traficantes e os consumidores de charros (que eram fumados com toda a descontração, como se de simples cigarros se tratasse), chegávamos mesmo a ser revistados pela PJ. Tudo isto seria impensável, nos nossos dias, só mesmo possível num país ainda a viver o rescaldo de uma revolução.
Nessas alturas, os agentes da PJ (também femininos), pareciam-me pessoas fechadas, mesmo embrutecidas. Surgiam à paisana, mas não enganavam ninguém, com a sua maneira de se moverem e de olharem. E o seu vestuário também destoava, muito formal e tão fora de moda… Bem, lembremos que estas cenas foram presenciadas há cerca de quarenta anos e a PJ talvez possuísse ainda tiques de certas polícias do tempo da ditadura. Muito terá mudado, entretanto. E, pela maneira como Mario Lima escreve, eu diria que conhece o meio.
Além disso, não esqueçamos que se trata de ficção, um interessante e bem construído policial, digno de ser traduzido para português. Quem sabe alguma editora portuguesa ainda se venha a interessar por Mario Lima…
*Título traduzido por mim, do alemão (Tod in Porto), por não haver versão portuguesa.