Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de agosto de 2020

Morte no Porto*

 

Depois de Barco Negro, li mais este policial de Mario Lima, pseudónimo de um escritor alemão residente em Portugal. Confirma-se o afeto que ele tem pelo nosso país, nomeadamente, pelo Norte, onde vive. Assim como se confirma o seu talento para transmitir a atmosfera da cidade do Porto. Em Barco Negro, transportava-nos para o meio de um inverno frio e chuvoso, à volta da refinaria de Leça da Palmeira; em Morte no Porto*, vemo-nos num verão escaldante, nas margens do rio Douro, tendo por companhia os barcos rabelos enfeitados de galhardetes. Insisto em que é muito interessante ver o nosso país através dos olhos de um estrangeiro, pois apercebemo-nos de pormenores únicos que os nossos autores raramente mencionam, talvez por os acharem banais. Quando se realçam, porém, constatamos que são tudo menos isso. Quem, entre nós, escreveria que esses barcos típicos se enfeitam de galhardetes? Apenas se mencionariam os rabelos no rio Douro.

Mais uma vez, Mario Lima consegue construir suspense, num policial bem pesquisado, envolvendo cidadãos brasileiros residentes no Porto. O autor entra mesmo na cena mafiosa de São Paulo, pois os crimes, em Portugal, têm a ver com ajustes de contas entre bandos. A PJ do Porto é apresentada como um grupo dinâmico, chefiado pelo inspetor Fonseca, na busca da verdade, digna de surgir em qualquer série do género. Quando, porém, olho para a sede daquela polícia, com uma das entradas mais feias que vi em toda a minha vida, pergunto-me se a PJ será assim tão glamorosa...

A única experiência que tive com a judite portuense foi o presenciar de rusgas que se faziam a um café de Vila Nova de Gaia, no início dos anos 1980. Esse café ficava às portas do liceu que eu frequentava e era um autêntico centro de tráfico de droga. Nós, os alunos do liceu, íamos lá tomar café, ou lanchar, convivendo lado a lado com os traficantes e os consumidores de charros (que eram fumados com toda a descontração, como se de simples cigarros se tratasse), chegávamos mesmo a ser revistados pela PJ. Tudo isto seria impensável, nos nossos dias, só mesmo possível num país ainda a viver o rescaldo de uma revolução.

Nessas alturas, os agentes da PJ (também femininos), pareciam-me pessoas fechadas, mesmo embrutecidas. Surgiam à paisana, mas não enganavam ninguém, com a sua maneira de se moverem e de olharem. E o seu vestuário também destoava, muito formal e tão fora de moda… Bem, lembremos que estas cenas foram presenciadas há cerca de quarenta anos e a PJ talvez possuísse ainda tiques de certas polícias do tempo da ditadura. Muito terá mudado, entretanto. E, pela maneira como Mario Lima escreve, eu diria que conhece o meio.

Além disso, não esqueçamos que se trata de ficção, um interessante e bem construído policial, digno de ser traduzido para português. Quem sabe alguma editora portuguesa ainda se venha a interessar por Mario Lima…

 

*Título traduzido por mim, do alemão (Tod in Porto), por não haver versão portuguesa.

17 de agosto de 2020

O Alienista e Outros Contos


Nestes vinte contos, Machado de Assis abre-nos a janela para o século XIX brasileiro, tanto citadino, como provinciano. No seu poder de observação, na sua ironia e na sua crítica velada aos costumes, fez-me lembrar Eça. Mas o mundo de Machado de Assis é outro, um mundo ainda sob um regime esclavagista.

São livros destes que nos ensinam a entender melhor certas revoltas de hoje em dia. Depois de ler um conto como O Caso da Vara, fica-se com um nó na garganta e com vontade de pedir desculpa aos povos escravizados pelos brancos. Machado de Assis não emite qualquer juízo, limita-se a apresentar-nos as situações. É quanto basta.

Mas também a crítica à sociedade hipócrita e materialista é magistral, por exemplo, em O Alienista, onde se pode ainda observar os efeitos da manipulação e o desejo que as pessoas têm em acreditar em alguém que lhes parece poderoso e capaz de resolver os seus problemas.

Há ainda lugar para desejos adolescentes, para a importância de manter as aparências e para a tragédia, em A Cartomante, que mais uma vez espelha a insegurança humana.

Como se costuma dizer, nada como ler os clássicos. Para nos entendermos melhor, assim como o mundo que nos rodeia.


3 de agosto de 2020

Na Casa do Rei Dragão - A Saga do Rei Dragão - Vol. I


Li este livro com bastante curiosidade, pois, muitas vezes, penso em escrever “Fantasia”, ou seja, situar um enredo num local imaginado, com características medievais. Tenho até muitas ideias para um livro (ou vários) desse género, mas confesso que é um tipo de literatura a que não me tenho dedicado. Na Feira do Livro do Porto, há alguns anos, encontrei os dois primeiros volumes da Trilogia do Rei Dragão, de Stephen Lawhead, por um preço baratinho. 

Falo hoje do primeiro volume. O facto de o autor ser conhecido e ter escrito romances históricos (que aliás ainda não li) aumentou-me a expectativa. Fiquei, porém, desiludida. O livro lê-se bem, cria suspense, há várias aventuras e peripécias. Mas apresenta soluções banais para conflitos complicados. Além disso, o autor não prima pela verosimilhança e nem tudo tem a sua razão de ser. O problema é que eu detesto quando me apresentam situações empolgantes e cheias de perigo, mas desnecessárias, ou mal engendradas. Dou um exemplo:

O protagonista é um jovem inexperiente que se vê envolvido numa missão perigosa. O destino guia-o a um guerreiro famoso, mas aposentado, por assim dizer, que resolve acompanhá-lo, pois apercebe-se de que o rapaz não está de todo preparado para os perigos que terá de enfrentar. Ora, logo na sua primeira aventura, é o guerreiro experiente que se vê em grandes apuros e o rapaz obrigado a salvá-lo. Aqui, o leitor pergunta-se porque diabo o jovem não cumpre a sua missão sozinho. Enfim, ele precisará mais tarde da ajuda do guerreiro. Mas não tanto como isso…

 Mesmo tratando-se de literatura juvenil, penso que deveria haver mais cuidado na construção do enredo. O segundo volume, que eu planeara ler de seguida, terá de esperar, dando, para já, lugar a literatura mais exigente.