CERCO A COIMBRA
Como se vê, havia um grande drama familiar por trás da guerra que dilacerou o reino português no início do século XIV. Não deixa de ser estranho, tendo em conta os protagonistas: um rei culto, justo e amigo do povo; uma rainha exemplar; o filho dos dois.
Pormenor da estátua de D. Dinis em Coimbra
Vendo a derrota à frente, Dinis pediu a Isabel:
- Suplico-vos que arranjeis guisa de estabelecer a paz sem que haja vencedor nem derrotado.
- Pedis-me o impossível.
Dinis aproximou-se dela e, pegando-lhe nas mãos, insistiu:
- Intercedei junto de Deus! Diz-se já haverdes feito milagres… Não o podereis tornar a fazer?
A rainha engoliu em seco e replicou:
- A graça de fazer milagres só é concedida quando Deus assim o entende, não depende da minha vontade. Sou um mero instrumento nas Suas mãos.
- Quereis dizer nada poderdes fazer por mim?
Ela fechou os olhos por um momento e quando os abriu, disse:
- Darei o meu melhor. Mas haverei mister de auxílio, de um mediador, a quem Afonso dê realmente ouvidos. E não me ocorre mais ninguém tão adequado como o conde de Barcelos.
Dinis estremeceu perante a menção daquele seu bastardo, por ele próprio destituído do cargo de alferes-mor e da maior parte das suas rendas, obrigando-o ao exílio. Até àquele momento, considerara-o um traidor. Agora, deu consigo a perguntar:
- Pensais que ele consentirá em falar comigo?
- Com certeza. Pedro Afonso é uma alma gentil, que não guarda rancor… E que vos ama e respeita como ninguém.*
Graças às intervenções de D. Isabel e do conde D. Pedro de Barcelos, o rei retirou para Leiria e o infante para Pombal. Em Maio, encontraram-se em Leiria e assinaram um acordo de paz. D. Dinis, porém, que já passara dos sessenta, foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa.
Nos piores momentos da sua enfermidade, os cuidados e a dedicação de Isabel provaram ser imprescindíveis. O rosto dela iluminava o dia mais triste, a sua voz confortava, a sua serenidade dava confiança e coragem e o toque das suas mãos era bálsamo para almas aflitas. Isabel era a esperança transformada gente, como se Deus houvesse decidido dar uma forma humana a esse sentimento. E, apesar de haver amado outras mulheres e de, muitas vezes, haver odiado a rainha, Dinis não desejaria ter qualquer outra perto de si naquelas horas difíceis.*
D. Dinis melhorou. Mas a paz assinada com o filho foi quebrada cerca de ano e meio mais tarde, depois das Cortes de Lisboa, em Outubro de 1323. A guerra civil entraria na sua última fase.
* Excertos do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador"
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