Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

28 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (32)

FLORES DO VERDE PINO

Não se verificando hoje nenhuma efeméride especial relacionada com o reinado de D. Dinis, aproveito para relembrar a sua Cantiga de Amigo mais conhecida. Ignoro porque se terá destacado tanto, talvez devido ao ritmo. Estes poemas eram escritos para serem musicados e cantados, o próprio D. Dinis compunha melodias. Infelizmente, quase nada chegou aos nossos dias.

Tendo isto em conta, criei, no meu romance, a seguinte cena (fictícia) à volta destes versos:

Pauta e Músicos.jpg

Num serão de Março, os cálices de vinho esvaziavam-se facilmente e o rei encarregou os trovadores João Anes Redondo e Pêro Anes Coelho de entoarem a sua nova cantiga. Começava com um lamento dirigido à natureza, uma donzela pedia às flores notícias do amigo que tardava em aparecer, receando que ele lhe houvesse mentido. O refrão consistia precisamente na pergunta: "Ai Deus, e onde está?"

 

                        Ai flores, ai flores do verde pino

                        se sabedes novas do meu amigo!

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Ai flores, ai flores do verde ramo,

                        se sabedes novas do meu amado!

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Se sabedes novas do meu amigo,

                        aquel que mentiu do que pôs comigo?

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Se sabedes novas do meu amado,

                        aquel que mentiu do que m’ há jurado,

                        Ai Deus, e u é?

 

A natureza interpelada punha fim à angústia da donzela, dizendo-lhe que o amigo estava vivo e sano e viria ter com ela dentro do prazo prometido. A simplicidade e o ritmo harmónico da cantiga pôs os convivas a cantar o refrão «Ai Deus, e u é?» em coro.

 

                        Vós me perguntades polo voss’ amigo?

                        e eu bem vos digo que é san’ e vivo.

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Vós me perguntades polo voss’ amado?

                        e eu bem vos digo que é viv’ e sano.

                        Ai Deus, e u é?

 

                       E eu bem vos digo que é san’ e vivo,

                        e será vosc’ ant’ o prazo saído.

                        Ai Deus e u é?

 

                        E eu bem vos digo que é viv’ e sano,

                        e será vosc’ ant’ o prazo passado.

                        Ai Deus, e u é?

 

Se o fervor dos aplausos surpreendeu Dinis, maior foi o seu espanto, quando se exigiu a repetição da cantiga. Os versos não custavam a fixar, todos faziam coro com os trovadores, erguendo os seus cálices na altura do refrão:

 

                        Ai Deus, e u é?

 

Gerara-se uma rara descontração e, assim que a cantiga chegou ao fim, foi exigida uma terceira vez! Aquela noite parecia diferente das outras, havia algo de especial no ar morno, convidativo ao deleite.

 

Notação Musical.jpgNotação musical original de D. Dinis ©Arquivo Nacional Torre do Tombo

 

24 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (31)

FORAL DE VILA FLOR

Vila Flor Brasão.png

 

Verifica-se hoje o 739º aniversário do foral de Vila Flor (distrito de Bragança), outorgado por D. Dinis (24 de maio de 1286).

 

Arco do Castelo de Vila Flor.JPG

Arco do Castelo de Vila Flor

Imagens Wikipedia

20 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (30)

MORTE DE JOÃO XXI

João XXI.jpg

Imagem Wikipedia

 

A 20 de maio de 1277, morreu o único papa português, João XXI, de acidente, em Viterbo.

D. Dinis tinha dezasseis anos e ainda não era rei. Mas conhecia com certeza João XXI, antigo deão da Sé de Lisboa.

Transcrevo uma pequena cena do meu romance, relativa à morte do papa português:

- Mestre Pedro Julião finou-se? - surpreendeu-se Dinis.

O antigo deão da Sé de Lisboa, conhecido no estrangeiro como Pedro Hispano, estudara Artes em Paris e Medicina em Montpellier. Escrevera várias obras sobre Teologia e outros campos do saber e passara temporadas na cúria papal, tornando-se físico do papa Gregório X, a quem sucedera. Ainda não era velho, nem se lhe conhecia enfermidade:

- Mas como pode tal haver sucedido?

- Foi um acidente, em Viterbo - respondeu o mensageiro. - O Santo Padre inspeccionava as obras de uma nova ala que mandara edificar no palácio dos papas, quando uma parte do edifício desabou.


16 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (29)

FORAL DE VILA NOVA DE FOZ CÔA

 


A 16 de Maio de 1299, D. Dinis concedeu foral a Vila Nova de Foz Côa e ordenou o seu povoamento.

12 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (28)

CANTIGA DE ESCÁRNIO

D. Dinis é sobretudo conhecido pelas suas Cantigas de Amor e de Amigo. Mas ele compôs também algumas Cantigas de Escárnio. Aproveito para lembrar uma passagem do meu romance, onde enquadrei um desses poemas:

Serão na Corte 2.jpg

Serão na corte, por H. Vanez

 

Assim se viu Dinis rodeado de fidalgos pomposos a disputar-lhe a atenção, tentando impressioná-lo com as suas proezas, sem sequer haver uma sessão musical para o distrair. O Paço episcopal não era o local indicado para fazer a corte às senhoras com cantigas trovadorescas, para já não falar de uma ou outra dança. 

Dinis recordou uma sua Cantiga de Escárnio sobre um fidalgo de província, por ele apelidado de Dom Foam, que falava intermitentemente, sem se aperceber do cansaço e do tédio que causava ao seu soberano.

U noutro dia seve Dom Foam,
a mi começou gram noj’ a crecer
de muitas cousas que lh’ oí dizer.
Diss’ el: - «Ir-m’ ei ca já se deitaram»;
e dix’ eu: - «Boa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

E muit’ enfadado do seu parlar
sevi gram peça, se mi valha Deus,
e tosquiava estes olhos meus.
E quand’ el disse: - «Ir-me quer’ eu deitar»
e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

El seve muit’ e diss’ e porfiou,
e a mim creceu gram nojo por em,
e nom soub’ el se x’ era mal se bem.
E quand’ el disse: - «Já m’ eu deitar vou»
e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

 

Nota: apesar de Dom Foam continuadas vezes alegar ir deitar-se, não pára de conversar, indiferente ao alívio, expresso pelo soberano, que a sua partida proporcionaria.

 

8 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (27)

O 1º CONDE DE BARCELOS

Faz hoje 727 anos que D. Dinis tomou uma medida inédita, em Portugal.

D. Dinis majestoso Nuno Luís FB.jpg

Imagem daqui

 

O Rei Lavrador outorgou um título simbólico a um fidalgo, o título de conde, sem estar ligado à sua função original: a de ser governante de um condado. Tratava-se apenas de um título de prestígio.

A 8 de maio de 1298, D. Dinis outorgou a carta de doação da vila de Barcelos «por serviço que me fez dom João Afonso [Telo] e porque o fiz conde».

D. João Afonso Telo era um nobre leonês, senhor do castelo de Albuquerque, mas com ligações familiares a Portugal. Tornou-se grande amigo de D. Dinis, exercendo atividades diplomáticas em nome da Coroa portuguesa. O Rei Lavrador decidiu recompensá-lo, dando-lhe o título de conde de Barcelos, mas de poder muito limitado, já que se confinava à vila de Barcelos. Este modo de proceder estava de acordo com a política de D. Dinis de restringir o poder da nobreza, concentrando-o na Coroa.

 

4 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (26)

 CASAMENTO DE D. AFONSO III

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Representação de D. Afonso III na Viagem Medieval de Santa Maria da Feira 2015

 

Há três dias, mencionei aqui o casamento de D. Afonso IV. Hoje, é a vez do avô, D. Afonso III, cujo segundo consórcio se realizou em 1253, cinquenta e seis anos antes do do neto, que aliás nunca conheceu. É curioso verificar haver três pontos em comum entre os dois enlaces. Também o pai de D. Dinis casou no mês de maio, também no caso dele não se sabe o dia e a sua noiva ostentava os mesmos nome e estatuto: infanta D. Beatriz de Castela. A diferença de idades entre os nubentes era, porém, muito maior, neste caso: a noiva teria apenas onze anos, o noivo ia pelos quarenta.

Este casamento surgiu na sequência de um Tratado de Paz entre Portugal e Castela por causa da questão do Algarve. Mas D. Afonso III foi acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV, que, dois anos mais tarde, lançaria o interdito sobre Portugal. Um reino sob interdito estava proibido de celebrar missas e sacramentos (incluindo casamentos e batizados), situação que durou quase dez anos.

A razão para medida tão severa: à altura do seu casamento com D. Beatriz, D. Afonso III era ainda casado com Matilde de Boulogne. O pai de D. Dinis passou a sua juventude na corte francesa, durante a regência de sua tia Branca, antiga infanta de Castela. Em 1239, a tia arranjou-lhe casamento com a viúva Matilde de Boulogne, bastante mais velha do que ele, mas filha única da condessa Ida e herdeira daquele condado.

Passados seis anos, porém, D. Afonso regressou sozinho a Portugal, a fim de tomar conta do reino mal governado por seu irmão D. Sancho II. Oito anos mais tarde, já coroado rei, e no intuito de pôr fim ao conflito com o monarca castelhano por causa do Algarve, casou com Beatriz, ignorando Matilde por completo, de quem aliás vivera separado todo este tempo.

D. Afonso III chegou ao ponto de ignorar uma ordenação papal para se apresentar em Roma, a fim de ser julgado por bigamia. O problema resolveu-se, contudo, por si, pois Matilde morreria inesperadamente. Mas só em junho de 1263, passados cinco anos sobre a morte da malograda condessa,  um novo papa, Urbano IV, legitimou o segundo consórcio do monarca, levantando o interdito sobre o reino.

À altura do seu nascimento, a 9 de outubro de 1261, D. Dinis era, no fundo, ilegítimo e este argumento foi usado por seu irmão Afonso, quando, pela terceira vez, se revoltou contra o rei, em 1299, obrigando D. Dinis a montar cerco a Portalegre. D. Afonso alegava ter mais direito ao trono por ter nascido numa data mais próxima da legalização do casamento dos pais (6 de fevereiro de 1263).

D. Afonso III e D. Beatriz tiveram sete filhos:

Infanta D. Branca, nascida em fevereiro de 1259

D. Dinis, nascido a 9 de outubro de 1261

Infante D. Afonso, nascido a 6 de fevereiro de 1263

Infanta D. Sancha, nascida a 2 de fevereiro de 1264 (faleceu com cerca de vinte anos)

Infanta D. Maria, nascida em fevereiro ou março de 1265 (faleceu com pouco mais de um ano)

Infante D. Vicente, nascido a 22 de janeiro de 1268 (falecido ainda criança)

Infante D. Fernando, nascido em 1269, falecendo pouco tempo depois.

1 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (25)

CASAMENTO DE D. AFONSO IV

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Em maio de 1309 (não se sabe o dia), o futuro rei D. Afonso IV, filho de D. Dinis, casou com a infanta D. Beatriz de Castela. Viriam a ser os pais de D. Pedro I, conhecido pelo seu amor trágico por Inês de Castro (tendo ficado seu pai com a “fama” de a haver mandado assassinar, embora não exista certeza histórica).

À altura do casamento, D. Afonso tinha dezoito anos e a sua noiva dezasseis ou dezassete. Os dois conheciam-se desde a infância. D. Beatriz foi criada pelos sogros, vindo para a corte portuguesa na sequência do Tratado de Alcanices, celebrado a 12 de Setembro de 1297, no qual se definiram definitivamente as fronteiras entre Portugal e Castela e se estabeleceu um duplo consórcio. Ficou igualmente estipulado que D. Fernando IV de Castela, à altura com onze ou doze anos, casaria com a infanta D. Constança de Portugal.

Era costume as noivas-crianças serem criadas pelos sogros. O par real português e a rainha viúva castelhana, D. Maria de Molina, trocaram de filhas. D. Beatriz, de cinco anos, veio para Portugal, enquanto D. Constança, de sete, foi viver para a corte castelhana.

Para a concretização deste duplo consórcio, foi necessário solicitar dispendiosas bulas de dispensa de parentesco ao papa, pois os nubentes eram parentes próximos. Os infantes castelhanos eram filhos do falecido D. Sancho IV, tio de D. Dinis.

No caso de D. Afonso IV e de D. Beatriz, parece ter sido vantajoso terem crescido juntos. Não obstante a tradição  ter conferido um temperamento irascível a este monarca português, ele parece ter-se inteiramente dedicado à família, pois não se lhe conhecem barregãs, nem filhos ilegítimos. Trata-se de um caso raro na nossa historiografia.

O casal teve sete filhos, mas apenas três chegaram à idade adulta, porquanto a mais nova, Leonor, que casou com D. Pedro IV de Aragão, morreu com apenas vinte anos.