Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
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9 de novembro de 2016

Ontem e hoje

Penso que este excerto do romance medieval em que atualmente trabalho combina com o dia de hoje. A política sempre foi um negócio sujo.

«Debatíamos num remoinho de intrigas e desaguisados, havendo precisão uns dos outros e querendo, ao mesmo tempo, aniquilarmo-nos mutuamente. Até eu cheguei a pactuar com o execrável bispo, Deus me perdoe, permitindo que ele cresse ter-me na sua mão. Imagino o quão esperto ele se sentia, pensando que nos manipulava às duas, provando a fraqueza e a instabilidade próprias das donas e, no convencimento da sua soberba, nem se apercebia de que Urraca e eu agíamos tal e qual. Nunca maior teia de ardis, mentiras, hipocrisias e traições se terá visto, que Cristo se amerceie de nós! Sorríamo-nos, mantendo o punhal atrás das costas, aguardando a primeira oportunidade de o espetar no parceiro de ocasião».




© Cristina Torrão




31 de julho de 2014

Escritos soltos # 1



Nunca dei à Luísa a atenção devida. Nem sequer a desejei completamente, quando nasceu, perguntando-me porque fizera o raio daquele casamento, de que me arrependi mal pronunciei o «sim». Porque fazemos tais coisas, sabendo, no íntimo, que não vão resultar?
Medo da solidão…
Estava cheia de me sentir sozinha. Estava cheia de mágoas, não aguentava mais o caos em que se transformara a minha vida, a partir daquele março de 1974, cheia de depender da caridade de quem, no fundo, me desprezava.
Conheci o Armando numa das manifestações do Verão Quente, numa altura em que julgava não mais ser capaz de amar. O Armando divertia-me, com aquele seu jeito despreocupado. E eu queria deixar as agruras para trás, queria acreditar que a vida ao lado dele fosse mais fácil. Casámos em 1976, quando ele arranjou o emprego no banco, apesar de eu ainda andar a tirar o curso.
A despreocupação do Armando revelou-se uma grande armadilha, mais uma, na minha vida. Era esbanjador, incapaz de assumir responsabilidades. Começou a faltar o dinheiro para a renda da casa, para as compras… O ordenado do banco fugia-lhe entre os dedos como areia numa mão aberta, sobrevivíamos à custa das minhas explicações de português e francês. Ficava cada vez mais difícil, as discussões eram constantes. E eu debatia-me com insónias, pesadelos e ataques de ansiedade.
Sabia que o melhor seria a separação… Não fosse a minha insegurança, o medo da solidão que me guia para dependências cegas. Comecei a acreditar que tudo melhoraria, assim que acabasse o curso e começasse a dar aulas. E assim que tivéssemos um filho! De repente, senti-me como se tivesse descoberto a pólvora: o meu ordenado de professora dar-nos-ia conforto financeiro, um filho aproximar-nos-ia, salvando o casamento… Fiquei tão obcecada, que deixei de tomar a pílula no meu último ano de faculdade, sem sequer informar o Armando. No fundo, sabia que ele não concordaria. Dizia constantemente que ainda não queria filhos, que éramos muito novos, que deixássemos passar algum tempo.
Ficou furioso, quando soube da gravidez, queria que eu abortasse. Mas eu acreditava firmemente que um filho nos uniria. Ser pai haveria de lhe incutir responsabilidade…
Porque tendemos a acreditar que a nossa felicidade e a solução dos nossos problemas dependem unicamente de fatores exteriores a nós? É um erro, mesmo um abuso, usar um ser ainda não nascido para salvar um casamento. Ou para atingir um qualquer objetivo pessoal. Qualquer vida deve valer por si própria, nunca ser um instrumento para atingir um fim. Não uma vida!


16 de abril de 2014

Junho não vai ser só o Mundial de Futebol

A Inês Massano fez a ilustração para a capa do meu novo romance histórico,  Os Segredos de Jacinta, que conta o percurso de uma jovem no século XII português.

Quis escrever um romance sobre os primeiros portugueses da História e escolhi os anos de 1139 a 1147. Na Batalha de Ourique, D. Afonso Henriques foi aclamado rei pelos seus guerreiros. A partir daí, mesmo sem o reconhecimento do Imperador da Hispânia e da Santa Sé, não mais deixou de usar esse título. Em 1147, com a Conquista de Lisboa, além de tomar posse da cidade que viria a ser a capital, o nosso primeiro rei estabeleceu definitivamente a fronteira portuguesa na linha do Tejo.

As pessoas que viveram entre 1139 e 1147 foram, assim, os primeiros portugueses da História. Jacinta, a minha "heroína", é uma delas!

Haverá lançamento e apresentações em Junho, que divulgarei aqui e no FB.


1 de outubro de 2013

Pré-Publicação #21



- Disseste que a vida começa de novo. A vida está sempre a começar, desde que o queiramos. Mas sem nada se apagar. É essa a vantagem do renascer. Quem nasce pela primeira vez, é atirado indefeso para braços, que tanto podem ser fortes, como frouxos, carinhosos, como cruéis. O recém-nascido não está em condições de escolher. Mas nós estamos. Façamos as pazes connosco próprios, acarinhemos o recém-nascido que vive dentro de nós, esse ser frágil, que já fomos, que requer atenção e cuidados, mas que nós facilmente rejeitamos e esquecemos. Só quando o abraçamos, aceitando todas as suas fraquezas e aliviando-lhe o choro, nos sentimos fortalecidos para começar de novo, uma outra vida.



3 de agosto de 2013

Pré-Publicação #20



Ninguém era isento de defeitos, a perfeição não combinava com a condição humana. O importante era olhar no coração de cada um. O irmão Ambrósio era um homem bom, como o fora a bruxa do Serro do Cão, o era a física Hildegarda e a moura Zaida. Cada um à sua maneira, tentavam compreender a alma humana, respeitando a sua essência. Dava-se agora conta de como eram corajosos, ao porem os preconceitos de lado, a fim de ver cada pessoa à luz apenas dos seus olhos. Tinha sido com eles que ela aprendera o essencial da vida e talvez isso fosse obra de Deus, que lhe enviava a pessoa certa, na altura certa.


20 de julho de 2013

Pré-Publicação # 19



Lembrava-se de ter confessado à monja que viver sob a sombra da gémea a incomodava. E, na verdade, vivera, desde sempre. A sombra da irmã protegia-a. Os outros poupavam-na, enquanto ela aí se abrigasse, de contrário, abusavam dela, humilhavam-na. Roubavam-lhe a sua luz, apagavam-na. Por algum motivo, não a achavam digna de brilhar.
Mas havia aquela luz que insistia em iluminá-la por dentro e lhe dizia que ela era forte, criativa e carinhosa. Era esse o seu verdadeiro ser. «Há uma energia dentro de ti que é difícil de apagar», dissera-lhe a velha do Serro do Cão, «mereces pensar pela tua própria cabeça. E, seja qual for a tua resolução, se Deus achar que fazes falta ao mundo, sobreviverás».
Sentia que a sua luz interior lutava por sair, por irradiar. E a energia contida angustiava-a. Na solidão da sua caminhada, tirou o manto da cabeça e, segurando-o nos braços esticados, pôs-se a dar voltas, sentindo as gotículas na cara. O caminho da sua vida ainda se encontrava na encruzilhada e ela não sabia que direção seguir. Mas era livre! Como uma gota de chuva, a vaguear ao sabor do vento…