Nunca dei à
Luísa a atenção devida. Nem sequer a desejei completamente, quando nasceu,
perguntando-me porque fizera o raio daquele casamento, de que me arrependi mal
pronunciei o «sim». Porque fazemos tais coisas, sabendo, no íntimo, que não vão
resultar?
Medo da solidão…
Estava cheia de me sentir sozinha. Estava cheia de mágoas, não
aguentava mais o caos em que se transformara a minha vida, a partir daquele março
de 1974, cheia de depender da caridade de quem, no fundo, me desprezava.
Conheci o
Armando numa das manifestações do Verão Quente, numa altura em que julgava não mais ser capaz de amar. O Armando divertia-me, com
aquele seu jeito despreocupado. E eu queria deixar as agruras para trás, queria
acreditar que a vida ao lado dele fosse mais fácil. Casámos em 1976, quando ele
arranjou o emprego no banco, apesar de eu ainda andar a tirar o curso.
A despreocupação
do Armando revelou-se uma grande armadilha, mais uma, na minha vida. Era esbanjador,
incapaz de assumir responsabilidades. Começou a faltar o dinheiro para a renda
da casa, para as compras… O ordenado do banco fugia-lhe entre os dedos como
areia numa mão aberta, sobrevivíamos à custa das minhas explicações de
português e francês. Ficava cada vez mais difícil, as discussões eram
constantes. E eu debatia-me com insónias, pesadelos e ataques de ansiedade.
Sabia que o
melhor seria a separação… Não fosse a minha insegurança, o medo da solidão que
me guia para dependências cegas. Comecei a acreditar que tudo melhoraria, assim
que acabasse o curso e começasse a dar aulas. E assim que tivéssemos um filho! De
repente, senti-me como se tivesse descoberto a pólvora: o meu ordenado de
professora dar-nos-ia conforto financeiro, um filho aproximar-nos-ia, salvando
o casamento… Fiquei tão obcecada, que deixei de tomar a pílula no meu último
ano de faculdade, sem sequer informar o Armando. No fundo, sabia que ele não
concordaria. Dizia constantemente que ainda não queria filhos, que éramos muito
novos, que deixássemos passar algum tempo.
Ficou furioso,
quando soube da gravidez, queria que eu abortasse. Mas eu acreditava firmemente
que um filho nos uniria. Ser pai haveria de lhe incutir responsabilidade…
Porque tendemos
a acreditar que a nossa felicidade e a solução dos nossos problemas dependem unicamente
de fatores exteriores a nós? É um erro, mesmo um abuso, usar um ser ainda não
nascido para salvar um casamento. Ou para atingir um qualquer objetivo pessoal.
Qualquer vida deve valer por si própria, nunca ser um instrumento para atingir
um fim. Não uma vida!
Porém... foi e é esta, a realidade que muita gente vive... adiar as decisões, esperando que algo de extraordinário as resolva em seu lugar.
ResponderEliminarÉ isso mesmo, Bartô.
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