"Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos, assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma.
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
-Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia."
E, agora, uma história, a propósito destas linhas:
Eu tinha 13 ou 14 anos, frequentava o 8º ou 9º ano do liceu. A professora de Educação Visual disse-nos que desenhássemos uma cena de um livro que tivéssemos lido e gostado. Eu já não sei se tinha lido Os Maias completo, ou só partes. Não era propriamente leitura para a minha idade, ainda deparava com as chamadas "partes chatas". De qualquer maneira, fiquei fascinada com a última página, aquela maneira de acabar um romance, dois homens a correr atrás de uma tipóia, a gritar: "Ainda o apanhámos!"
De certeza que mais ninguém teria aquela ideia! Uma boa maneira de impressionar a stôra, ainda nem estávamos na altura da leitura obrigatória de Os Maias, salvo erro, no 11º ano. Pus-me a desenhar o Carlos da Maia e o João da Ega a correr atrás da carruagem. Num balão, a sair das suas bocas, o grito: "Ainda o apanhamos".
Deu-me bom trabalho, nunca tive grande jeito para o desenho. Mas fiquei satisfeita com o resultado e fui mostrá-lo orgulhosa à stôra.
Deu-me bom trabalho, nunca tive grande jeito para o desenho. Mas fiquei satisfeita com o resultado e fui mostrá-lo orgulhosa à stôra.
A stôra não entendeu nada daquilo. Olhou-me como se eu não fosse boa da cabeça. Senti-me envergonhada, será que tinha feito um disparate? E perguntei-me: "Uma professora de liceu não conhecerá Os Maias?"
Ela perguntou-me o que significava aquilo e eu expliquei-lhe. Olhou-me ainda mais desconfiada do que da primeira vez. Fiquei com a sensação de que ela pensava que eu estava a inventar. Devolveu-me o desenho, desdenhosa (estaria despeitada, por eu saber mais do que ela?), lançando um seco: "Está bem."
Tenho pena de já não ter esse desenho. E de já não saber como se chamava a stôra, para desancar nela, agora, aqui. Forte e feio!
(Um agradecimento à Teresa, que me inspirou a escrita deste post).