Os alemães são vistos com muita desconfiança por terem provocado duas guerras mundiais no mesmo século, muita gente se pergunta que tipo de povo é este. Depois de quase 20 anos na Alemanha, não vejo grandes diferenças, no geral. Há gente de que gosto, há gente que me irrita, há simpatias, há hipocrisias, etc. Mas é claro que há muitas diferenças, em relação a Portugal. Este post da Rita fez-me lembrar uma característica alemã curiosa: o costume de ver, repetidos até à exaustão, certos filmes e/ou programas de televisão e surpreender-se, ou rir-se, de todas as vezes como da primeira! Isto é tanto mais estranho, porquanto se trata de películas sem qualidade, algumas delas mesmo imbecis.
Começo pelos filmes da dupla Bud Spencer/Terence Hill. Não sei se se lembram do cow-boy Trinitá, ou dos Dois Missionários. Pois! Estes eram os únicos filmes que eu conhecia da dupla italiana (que já me aborreciam quando eu tinha 12 ou 13 anos). Mas isso era antes de vir para a Alemanha. Há muitas mais destas "obras de arte", cada uma mais imbecil do que a outra. São constantemente repetidas por alguns canais alemães, a ponto de representar excepção passar mais de meio ano sem isso acontecer!
Ao fim de 20 anos, uma pessoa acaba por tomar mais ou menos contacto com os filmes e houve um que me chamou a atenção. O título original é Non c’è due senza quattro, rodado no Rio de Janeiro, nos anos 80, e conta com a participação de actores de telenovelas que eu conhecia, dessa altura.
Resta dizer que Bud Spencer publicou, há meses, uma auto-biografia e conquistou os tops de vendas de livros cá do burgo!
Outro costume deste género tem por objecto os filmes de Louis de Funès, esse francês colérico, que dá pulinhos como um coelho a pilhas e se desfaz em esgares imbecis. Na verdade, ele teve algumas actuações de mérito e é muito considerado em França, mas a maior parte das películas são mesmo para atrasados mentais, especialmente, as do Gendarme de St. Tropez.
Os alemães adoram os filmes de Louis de Funès e - socorro gente - há dezenas deles! Cada um já mostrado pela milionésima vez, claro!
Um outro exemplo é uma trilogia, aqui considerada como um "clássico do cinema" (mas só mesmo aqui). Data dos fins dos anos 50/princípios de 60 e trata-se de um western de produção europeia, rodado em terras jugoslavas (já isto chega para nos pôr o estômago às voltas). A personagem principal é um índio, chamado Winnetou, que trava amizades fraternas com "brancos", que têm nomes sugestivos como Old Surehand, ou Old Shatterhand. Esta trilogia põe esta nação de trabalhadores disciplinados e, normalmente, nada dados a pieguices, a chorar baba e ranho! E, sim, no passado 24 de Dezembro, houve um canal que transmitiu a trilogia completa, de enfiada!
Os filmes são baseados na obra de Karl May, um autor alemão do século XIX, que escreveu inúmeros livros de aventuras.
Nos meus primeiros tempos neste país, numa reunião de família (sogros, cunhados, sobrinhos), começaram todos a falar de Winnetou. Ele era Winnetou para aqui, Winnetou para acolá... Decidi-me a perguntar: "Mas, quem é Winnetou?" Todos me olharam como se eu viesse de outro planeta!
Enfim, um outro caso digno de estudo tem a ver com um antigo sktech britânico, intitulado Dinner For One, este sim, com a sua piada. Mas merece um post exclusivo, até porque se aproxima a data em que ele será mostrado pela, sei lá, trilionésima vez!
Não era Hitler que era doido pelos livros desses Winnetou? Sei que li isso algures.
ResponderEliminarQuanto a Louis de Funés, na primeira metade da década de 70 passavam muitos filmes dele em Poerugal. O ódio que eu lhe tinha!!
Os teus alemães, vivem ainda em estado de crisálida inocência, Cristina. Por isso, deverias apresentar-lhes o cinema português... de enormíssima qualidade... aí, sim, teríam mais que motivos para chorar, ao assistirem às películas...
ResponderEliminarTeresa, é bem possível que o Hitler gostasse dos livros de Winnetou, mas não sei. Karl May é objecto de um grande culto, aqui na Alemanha. Para dizer a verdade, admiro-lhe a imaginação, escreveu mais de 100 livros de aventuras! Mas, hoje em dia, acusam o passar do tempo e, no estrangeiro, é visto mais como um autor juvenil, dada a ingenuidade dos seus enredos.
ResponderEliminarBartolomeu, é isso que me intriga nesta gente: uma "crisálida inocência", num povo, de resto, tão disciplinado e empreendedor.
em compensação a chanceler alemã anda a realizar dramas que a Europa está a ver até a exaustão e chora como se fosse a primeira vez.
ResponderEliminarSei que os tempos não estão para grandes optimismos mas o futuro pode estar nas nossas mãos se soubermos exercer os poucos direitos que ainda nos restam. Aqui deixo o meu desejo de um 2012 tão bom quanto o possível.
ResponderEliminarKaos
Wehavekaosinthegarden.blogspot.com
Bem visto, Daniel!
ResponderEliminarObrigada, Kaos, igualmente!
Da Wikipedia:
ResponderEliminar«(...)Adolf Hitler was an admirer, who noted that the novels "overwhelmed" him as a boy, going as far as to ensure "a noticeable decline" in his school grades.[18] According to an anonymous friend, Hitler attended the lecture given by May in Vienna in March 1912 and was enthusiastic about the event.[19] Ironically, the lecture was an appeal for peace, also heard by Nobel Peace Prize laureate Bertha von Suttner. Claus Roxin doubts the anonymous description, because Hitler had told much about May, but not that he had seen him.[20] Hitler defended May against critics in the men's hostel where he lived in Vienna, as the evidence of May's earlier time in jail had come to light; although it was true, Hitler confessed, that May had never visited the sites of his American adventure stories, this made him a greater writer in Hitler's view since it showed the author's powers of imagination. May died suddenly only ten days after the lecture, leaving the young Hitler deeply upset.[21] Hitler later recommended the books to his generals and had special editions distributed to soldiers at the front, praising Winnetou as an example of "tactical finesse and circumspection",[22] though some note that the latter claims of using the books as military guidance are not substantiated.[14] However, as told by Albert Speer, "when faced by seemingly hopeless situations, he [Hitler] would still reach for these stories," because "they gave him courage like works of philosophy for others or the Bible for elderly people."[22] This influence on the German 'Fuehrer' was later castigated by Klaus Mann, a German writer who accused May of having been a form of 'mentor' for Hitler.[13] In his admiration Hitler ignored May's Christian and humanitarian approach and views completely, not mentioning his – in some novels – relatively sympathetic description of Jews and persons of non-white race.»
Não sabia, Teresa, obrigada pela informação.
ResponderEliminarA questão é se o culto alemão por Karl May se deve a essa adoração que Hitler tinha por ele... Eu arrisco a dizer que não (embora se trate de uma opinião pessoal), porque era difícil, para uma nação, ficar indiferente a um autor que tantas aventuras escreveu, susceptíveis de serem adaptadas a filmes, peças de teatro, ou outros tipos de espectáculo.
Note-se que May faleceu em 1912, Hitler era ainda um jovem desconhecido, ainda não se adivinhava no que ele se iria tornar, 20 anos mais tarde. E o escritor não o conheceu, morreu, sem saber quem era Hitler.
O artigo chama a atenção para o facto de que "Hitler ignored May's Christian and humanitarian approach and views completely, not mentioning his – in some novels – relatively sympathetic description of Jews and persons of non-white race.»"
Karl May ensaia mesmo uma aproximação ao mundo islâmico, no seu (em alemão) chamado "Orient Zyklus". Claro que, sendo um autor do séc. XIX, tinha uma certa tendência para considerar a cultura europeia e cristã superior às outras. Nunca fez, no entanto, qualquer apologia ao racismo.
Já agora, desejo-te um Bom Ano Novo :)