"Parece-me, às vezes, extraordinário que ainda haja quem se dedique a fazer até ao fim uma coisa tão aborrecida como imagino que seja escrever um livro e ainda mais quem lhe dedique o tempo suficiente para que, ao ler-se a última página, não fique no leitor a impressão de ter estado a perder tempo com obra mal-amanhada, incompleta, acabada à pressa, mal-ajambrada e pior cosida, que deixa muito a desejar ou ainda que parece ter sido abandonada à sua sorte antes de que o autor tenha tido a certeza de que não podia já fazer mais nada para melhorar o que estava feito e, neste caso, sem ponderar devidamente sobre a necessidade de expor a coisa escrita à cogitação do público leitor. Haverá, depois, sempre uma vírgula fora do sítio, uma palavra não suficientemente sopesada, que está a mais ou que faz falta, uma frase sem a densidade necessária, pelo que o mais certo é que o trabalho nunca esteja completamente pronto e possa ser continuamente melhorado, dia após dia, ano após ano, tanto mais que quem corrige não é necessariamente a mesma pessoa que escreveu - está mais velha, mais madura, viveu mais vida e, portanto, quererá amanhã dizer coisas de que ontem não se lembrou e calar outras que lhe parecerão já estultas. Não sei como não enlouquecem, os escritores, se realmente ponderam nisto tudo e se debatem com a decisão de continuar a tentar fazer melhor ou de, em vez disso, abandonar o trabalho a meio, imperfeito e um pouco tosco que seja."
In Uma Mentira Mil Vezes Repetida, Manuel Jorge Marmelo
Não(suspiro), não é uma mentira...
ResponderEliminarPois não...
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