A atribuição de alguns Prémios Nobel fizeram correr rios de tinta, nos últimos anos. A primeira grande polémica surgiu à volta de Barack Obama, que recebeu o Nobel da Paz apenas por ter sido eleito Presidente dos EUA. Por acaso, eu concordei com esta atribuição, já que Obama foi o primeiro Presidente negro, algo que, até meio ano antes da sua eleição, era impensável. Foi um importante sinal ao mundo, digo eu.
No Outono passado, houve duas decisões que causaram perplexidade. Uma delas tem novamente a ver com o Nobel da Paz, ao ser atribuído à União Europeia, numa altura em que muitos europeus lutam pela sobrevivência. A justificação, porém, tem a sua razão de ser: assinalar 60 anos de paz na Europa! Realmente, talvez seja a primeira vez que este nosso continente atravessa seis décadas sem qualquer tipo de conflito bélico entre as suas potências.
Mas que dizer do Nobel da Literatura atribuído a Mo Yan, um escritor desconhecido a nível mundial e, ainda por cima, colaborador de um regime que está longe de respeitar os Direitos Humanos? O próprio Mo Yan não contribuiu para melhorar a sua imagem no estrangeiro. Chegado a Estocolmo, comparou a censura ao controlo de segurança nos aeroportos e recusou-se a assinar uma petição pela libertação do Nobel da Paz de 2010, o seu conterrâneo Liu Xiaobo.
As reações não se fizeram esperar. O poeta Ye Du, citado pela AFP, comparou Mo Yan a uma prostituta, afirmando ainda: «Em termos literários tem algum mérito, mas como ser humano é um anão». O
artista plástico Ai Weiwei classificou o seu discurso em Estocolmo como «vergonhoso». E Salman Rushdie denominou-o de fantoche do regime.
Evan Osnos, correspondente da
New Yorker em Pequim, saiu em defesa do nobelizado, apontando que Mo Yan se encontra numa posição dificílima. Nas suas palavras: «O Governo chinês pode, de uma penada, escolher tornar a sua vida miserável, e seria o resto do mundo a decidir como a história o recordará». E acrescenta: «Ninguém que não tenha suportado o peso de escrever sob autoritarismo pode ignorar com indiferença o seu dilema».
Confesso que estas palavras me fizeram refletir. Vim para a Alemanha pouco depois do desmoronar da Europa de Leste e a História da República Democrática Alemã está cheia de casos de artistas nas duas situações. Há aqueles que foram perseguidos por contestarem o regime, alguns conseguiram fugir para o ocidente, muitos foram presos e torturados. Mas há aqueles que colaboraram com o regime, não porque concordassem com ele, mas porque sabiam que a sua vida se destruiria de um momento para o outro, caso tomassem a decisão
errada. Eram vítimas de chantagem e, muitas vezes, era a vida dos seus filhos que estava em causa.
Não sei se Mo Yan tem uma família a defender. Mas escolheu um pseudónimo que significa «não fales». Basta olhar para o seu rosto para perceber que se encontra fechado ao mundo. Só se expressa através dos seus romances, que, pelo que tenho lido, revelam um vida interior rica. É bem capaz de lhe ser impossível viver sem esse escape. Será essa a razão porque se sujeita ao regime chinês?
Compreendo a amargura dos artistas que dão a cara e que correm (ou correram) perigo de vida por expressarem as suas opiniões. Por outro lado, pergunto-me qual será a extensão e o peso do dilema de Mo Yan.
Nota: as informações usadas neste texto foram recolhidas
nesta notícia.