Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de maio de 2014

Excertos # 1



Decidir a própria morte era um dos pecados mais terríveis, retirava o direito a funeral e a uma campa na terra sagrada do cemitério. Naquele momento, porém, surgia-lhe como solução para o desespero insuportável, o que lhe conferiu um certo alívio, e de tão exausta, acabou por adormecer.

Sonhou que se atirava ao Arda. Via-se a deixar este mundo, entrando noutro, que a deixava imune ao sofrimento.

Acordou, de repente, sem saber se dormira horas ou se apenas passara pelo sono. E o desassossego regressou com tal intensidade, que não conseguiu permanecer deitada. Um impulso irresistível guiou-a porta fora, descalça, envolta na sua camisa de dormir, o cabelo pelas costas. Pôs-se a caminho do rio, descendo a encosta íngreme, por entre os castanheiros e os carvalhos.

Estava um dia lindo de maio, os fenos despontavam num verde ainda tenro. Mas Jacinta caminhava sem se dar conta do brilho do sol e do chilrear dos pássaros. Movia-se alheia a tudo, como se vivesse já num outro mundo, em direção a um dos raros bancos de areia, no curso do Arda, onde ela e as irmãs costumavam ir lavar roupa.



29 de maio de 2014

Estão todos convidados!



Caros leitores, comentadores e seguidores:
Desculpem a minha quase ausência da blogosfera, neste momento. Não sei quando normalizará, também aqui no Andanças ando desleixada, apesar de haver várias coisas que gostaria de publicar. Mas tenho que as deixar de lado. Enfim, é por uma boa razão ;-)

E não se esqueçam: estão todos convidados!


27 de maio de 2014

Da Contracapa



- D. Afonso Henriques prepara um grande fossado contra os mouros e há mister de todos os homens livres, que lhe devem serviço na hoste.
- Ai valha-me Deus – soltou Adosinda, benzendo-se e sendo imitada pelas filhas.
Iniciou-se na Terra de Paiva uma euforia nunca vista.
Os ferreiros trabalhavam noite e dia nas suas forjas, aprontando armas, principalmente lanças e capelos de ferro, algumas pagas com a prata dos cavaleiros de D. Afonso, outras, pelos próprios lavradores. As mulheres confecionavam gibões de guerra para que os seus homens melhor pudessem proteger o corpo, uma vestimenta com várias camadas de linho e acolchoada com lã, também conhecida por perponto.
Enquanto eles se juntavam nos adros das igrejas, nos paços dos nobres e no castelo de Fornos, a fim de ouvirem os cavaleiros e os barões da sua terra, as mulheres desfaziam-se em rezas, sacrifícios e promessas.


In "Os Segredos de Jacinta", lançamento a 7 de junho na Unicepe, Porto




 

26 de maio de 2014

24 de maio de 2014

Nada como ler os clássicos... (4)

O presidente: - Fica reservada para amanhã a palavra ao senhor doutor Libório de Meireles, e está fechada a sessão.
O doutor Libório de Meireles era o deputado portuense, que pedira a palavra, durante o discurso de Calisto Elói.
- Que sairá daquele arganaz? - perguntou o morgado de Agra ao abade Estevães.
- Dizem que é moço de muita sabedoria, e que já escreveu livros.
Calisto sorriu-se e disse:
- Estou bem aviado, se ele escreveu livros!

In A Queda dum Anjo, Camilo Castelo Branco


22 de maio de 2014

Poesia em Loures com Manuel Veiga


 “[…]

Desdobra-se o poema.
E em seu destino volátil e alado
Devolve-se à carne dos dias
E retoma cativo
A matriz de água e o grito
Latejante no peito arfante
Do poeta…”



Sábado, 24 de Maio, às 18h00


20 de maio de 2014

Lançamento e Apresentações



Confirmados:

Lançamento a 7 de junho, 16:00 horas , na Unicepe - Cooperativa Livreira dos Estudantes do Porto CRL, no Porto

Apresentação a 8 de junho, 17:00 horas, na Livraria Poética, em Macedo de Cavaleiros

Apresentação a 14 de junho, 15:30 horas, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga


19 de maio de 2014

17 de maio de 2014

Clube de Leitura da Bertrand de Braga

Agradeço ao Clube de Leitura da Bertrand de Braga o empenhamento na realização da apresentação do meu novo romance Os Segredos de Jacinta, a 14 de junho, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, principalmente ao Manuel Cardoso e ao Ângelo Marques.

O blogue do Manuel Cardoso, Dos Meus Livros, tornou-se um ponto de referência de muitos amantes da leitura pelas suas opiniões esclarecidas e muito pessoais. Além disso, ele tem contribuído para a divulgação dos meus romances, sem me conhecer pessoalmente, apenas porque gosta deles, o que muito me sensibiliza. Não há recompensa melhor para quem escreve.

O Ângelo Marques, colaborador do blogue Destante, foi o motor para a concretização do evento na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva e, mesmo que, entretanto, tenha recebido a colaboração da minha editora Virgínia do Carmo, o coração da Poética, não deixo de lhe agradecer o empenho, sobretudo, quando desligado de qualquer recompensa monetária.

Os restantes membros do Clube de Leitura da Bertrand de Braga são:

Ana Nunes, do blogue Floresta de Livros
Andreia Ferreira, do blogue D311nh4
Andreia Silva, do blogue Os Livros Não Têm Segredos
Rui Alex, do blogue Jackolta

Vou adorar conhecê-los pessoalmente!


16 de maio de 2014

História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (14)


Ervas aromáticas e especiarias eram os dois extremos da acessibilidade. Se as primeiras se colhiam no campo, tão gratuitas como o sol e a água que as fazia crescer, ou vicejavam na horta doméstica, em conjunto com toda a outra sua variada produção, as segundas vinham das longínquas terras do Oriente, oneradas com os custos astronómicos de meses de viagem onde perigos de vária ordem esperavam quotidianamente e, por isso mesmo, poucos se atreviam a afrontá-los. A sua oferta, muito variada em espécies porque a Idade Média usou muitas mais do que aquelas que actualmente se conhecem, era relativamente reduzida em quantidade. E caríssima. E rara. Só as grandes cidades as ofereciam à venda, ou o mercador que se aproximava do paço senhorial. Aliás, só as famílias de grandes recursos económicos podiam adquirir especiarias puras. As outras, gentes endinheiradas, cidadãos grados, tinham de contentar-se com misturas mais ou menos adulteradas. Aos demais eram completamente inacessíveis.

A Alimentação, Iria Gonçalves (p. 239)

«porque a Idade Média usou muitas mais do que aquelas que actualmente se conhecem» - a prova de que não fomos nós que introduzimos as especiarias na Europa. Elas já eram bem conhecidas, antes dos Descobrimentos portugueses, e bem mais variadas do que hoje em dia.


13 de maio de 2014

Contracapa



«- D. Afonso Henriques prepara um grande fossado contra os mouros e há mister de todos os homens livres, que lhe devem serviço na hoste.
- Ai valha-me Deus – soltou Adosinda, benzendo-se e sendo imitada pelas filhas.
Iniciou-se na Terra de Paiva uma euforia nunca vista.
Os ferreiros trabalhavam noite e dia nas suas forjas, aprontando armas, principalmente lanças e capelos de ferro, algumas pagas com a prata dos cavaleiros de D. Afonso, outras, pelos próprios lavradores. As mulheres confecionavam gibões de guerra para que os seus homens melhor pudessem proteger o corpo, uma vestimenta com várias camadas de linho e acolchoada com lã, também conhecida por perponto.
Enquanto eles se juntavam nos adros das igrejas, nos paços dos nobres e no castelo de Fornos, a fim de ouvirem os cavaleiros e os barões da sua terra, as mulheres desfaziam-se em rezas, sacrifícios e promessas».

Os anos entre 1138 e 1147 foram decisivos para a formação do reino de Portugal, acontecimentos como a Batalha de Ourique, o casamento de D. Afonso Henriques e a Conquista de Lisboa influenciaram igualmente a vida dos mais humildes, que foram afinal os primeiros portugueses da História.
Jacinta, a personagem principal deste romance, é uma dessas pessoas.
Seguindo o percurso desta jovem, o leitor é introduzido na forma de vida do século XII, em que virtude e pecado andavam lado a lado, sendo ténue a fronteira entre o aceitamento e a maldição. Quem não se conformava com as normas caía facilmente na marginalidade.

«E porque haveria de consentir no nascimento de uma criança que seria igualmente alvo da crueldade daquela gente?
Jacinta cerrou as mãos em punho, por baixo da mesa, ao surgir do pensamento que a assustava. Sabia que havia guisas de evitar que uma criança nascesse. E que a bruxa do Serro do Cão era sábia nesses procedimentos…»

Violação, aborto, adultério, bruxaria e prostituição são algumas das situações em que Jacinta se vê enredada, enquanto a História de um condado feito reino segue o seu curso. 

Amanhã, divulgo a capa!

12 de maio de 2014

Apocalipse!



O calendário Maia estava mesmo errado, não foi em 2012, mas será talvez em 2014. Mas também São João Evangelista se enganou: o apocalipse não veio anunciado pelos tais quatro cavaleiros, mas por uma drag-queen austríaca, vencedora do Grand-Prix Eurovision de la Chanson. E isto exatamente 40 anos depois dos ABBA, que, se não eram drag-queens, pareciam.

«A nossa indignação não tem limites. Ali, já não há homens nem mulheres, apenas neutros. Há cinquenta anos, o exército soviético ocupou a Áustria, mas foi um erro libertá-la, devíamos ter lá ficado» - palavras do deputado russo Vladimir Jirinowski na televisão do seu país.

«(Ao assobiarem as concorrentes russas), os dinamarqueses provaram ser uns porcos. Euro-homos, ardam no inferno!» - palavras de Vitali Milonov, político de São Petersburgo, iniciador da lei anti-homossexual, no Twitter.

«Esta é uma prova da decadência da Europa moderna. Toda a forma de propaganda que anula a diferença entre o homem e a mulher, criando um novo modelo de vida, em que já nem se distinguem os sexos, conduz à destruição total» - palavras de Jaroslaw Kaczynski, antigo chefe do governo polaco, atual líder da oposição.

Nos anos 1960, havia quem dissesse que o Jimi Hendrix era o anti-Cristo. Eu acho que a Conchita Wurst encarna melhor esse papel, um verdadeiro anti é o reflexo do seu modelo. Ora comparem lá!




Nota: afirmações citadas e por mim traduzidas, a partir desta notícia (em alemão)

A Citação da Semana (8)

Os milagres não acontecem contradizendo a Natureza, mas contradizendo aquilo que nos é conhecido da Natureza.

Santo Agostinho


10 de maio de 2014

Alguém sabe?

Recebi um mail de um dinamarquês com raízes portuguesas, Fernando Kvistgaard. Traduziu para português um livro sobre as Cruzadas, escrito por um Professor universitário dinamarquês. O livro será editado em breve, mas Fernando Kvistgaard anda ainda à procura de um termo:

«Na Idade Média, algumas máquinas de assédio (os trabucos), as mais avançadas eram dotadas de rodas (tipo roda de hamster), onde no interior, um ou dois homens as moviam andando no interior delas, de maneira a esticar o cordame da catapulta.
Como se chamam estas rodas de accionamento humano?»






Eu confesso que também não sei. Estes trabucos terão surgido já em fins da Idade Média e o meu forte são os séculos XI e XII (já em relação ao XIII os conhecimentos são mais limitados). Além disso, penso que não se usaram engenhos desta envergadura
em Portugal. Na Conquista de Lisboa, as torres de assédio foram construídas pelos ingleses, com a ajuda de um especialista italiano. E os trabucos eram bem mais pequenos e simples do que este.

Apesar de se terem publicado vários livros sobre a vida da Idade Média, nos últimos anos, eles focam-se mais na mentalidade, alimentação, hábitos, etc. e há muita falta de informação sobre dois importantes temas: vestuário e armas. Penso que tenho um problema parecido com o Fernando Kvistgaard: leio muito sobre a época medieval em alemão, mas depois deparo-me com dificuldades em traduzir para português certos termos, precisamente, no que respeita ao vestuário e às armas.

Enfim, alguém sabe responder a Fernando Kvistgaard, dando o nome a estas rodas?
 

Ele já publicou um livro bilingue sobre os pontos de contacto entre Portugal e a Dinamarca ao longo da História. O seu site: www.lusodana.dk

8 de maio de 2014

Nada como ler os clássicos... (3)

Tosquenejou muitas noites sobre os bacamartes pulvéreos; e, desde que a manhã raiava até horas de almoço, ia à margem do Douro, que lhe lambia a ourela da quinta, declamar, como Demóstenes nas ribas marítimas, ao estridor de um açude e das rodas de duas azenhas. Os moleiros, que o viam bracejar, e lhe ouviam o vozeamento, benziam-se, pensando que o sábio treslera, ou coisa má lhe entrara no corpo.

In A Queda dum Anjo, Camilo Castelo Branco


6 de maio de 2014

A Queda Dum Anjo




Se Eurico, o Presbítero me pareceu datado, em relação a A Queda Dum Anjo eu não tenho dúvidas: é um clássico!

Nota-se que o escritor viveu no século XIX? Nota-se. Mas aí é que está a arte de um clássico: a ironia em relação aos valores e à sociedade em que o autor viveu não perdeu nada da sua vivacidade. Lê-se sem aquela sensação de ter envelhecido. Mais: pode perfeitamente aplicar-se aos nossos dias, na sua crítica ao provincianismo bacôco e à verbe dos políticos, no seus discursos de encher chouriços.

Camilo Castelo Branco é um autor esplêndido, a descobrir (falo por mim). Concentrei-me tanto no Eça, que me distraí deste, que afinal é mesmo obrigatório.

Neste livro, contam-se as venturas e desventuras de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, de Miranda do Douro, que se vê em plena Lisboa como deputado. Apesar de se verificar o cliché da cidade que corrompe o mais puro serrano, ler A Queda Dum Anjo não é só aprender bom português. É igualmente aprender a conhecermos melhor este nosso país e as suas gentes (todos nós).

Tenho publicado excertos da obra e seguir-se-ão mais alguns, para poderem julgar com a própria cabeça.

Nota: li a edição digital do Projecto Adamastor (download gratuito).


5 de maio de 2014

A Citação da Semana (7)

"Saúdo-te, belo dia, possas-me tu dar força para fazer o bem, para que, ao serão, eu possa ir dormir sem motivos que me envergonhem."

Oração matinal dos índios Lakota (tradução minha, do alemão)


4 de maio de 2014

Reunião após doze anos

Um gato foi deixado no gatil/canil de Munique, com o pretexto de ser extremamente agressivo, não deixando ninguém aproximar-se dele (sobre as pessoas que o levaram lá, a notícia não dá mais informações). O pessoal do gatil ficou intrigado, pois o bichano, apesar de ser reservado e evitar o contacto, não se revelou agressivo. Constataram que tinha um chip. E mais surpresos ficaram, ao verificar que as informações lá contidas coincidiam com as de um gato dado como desaparecido por um estudante, no longínquo ano de 2002.

Conseguiu-se localizar esse estudante, hoje, um veterinário a morar em Minden, a 700 quilómetros de Munique, e que mal queria acreditar que o seu gato ainda estivesse vivo. Não hesitou. Meteu-se no carro e fez os 700 quilómetros até Munique, recordando-se daquele que tinha sido um fiel companheiro, durante dois anos, até passeios de bicicleta dera com ele.

O veterinário reconheceu-o logo! Era o seu gato, sem dúvida, se bem que doze anos mais velho.

E o bichano tímido ainda se lembrava dele? Depois de se aproximar devagar e de cheirar a mão que o antigo dono lhe estendia, começou a lamber-lhe carinhosamente os dedos. O pessoal do gatil asssistiu à cena de lágrimas nos olhos, impressionados com aquela demonstração de afeto de um gato tão reservado.

O veterinário regressou a casa com o seu antigo companheiro, claro ;-)

Nota: o link dá acesso à notícia em alemão


2 de maio de 2014

Nada como ler os clássicos... (2)

Não obstante, o ministro do Reino redobrou instâncias e promessas, no intuito de vingar a candidatura de um poeta de Lisboa, mancebo de muitas promessas ao futuro, que tinha escrito revistas de espectáculos, e recitava versos dele ao piano, cuja falta ou demasia de sílabas a bulha dos sonoros martelos disfarçava.

In A Queda dum Anjo, Camilo Castelo Branco