No dia seguinte, no seu ócio, tornou a
recordar a bruxa e, num impulso, dirigiu-se ao local do casebre. Era um dia
cinzento, de fim de outubro, com vento e chuva miudinha. Jacinta aconchegava-se na capa escura, que a envolvia da
cabeça aos pés.
Chegada ao pequeno socalco, deu com o casebre
meio destruído. Do jardim, poucos vestígios havia,
por entre o matagal que tomara conta do recinto. Que diferença daquela tarde soalheira,
em que ela aspirara o aroma das flores e das ervas, ouvindo o zumbido das
abelhas…
Na esperança de recuperar um pouco
da felicidade que ali sentira, foi sentar-se sobre o banco corrido, que ainda lá estava, encostado ao que restava da parede. Fechou os olhos,
tentando sentir o conforto que lhe proporcionara a velha de corpo seco e face
cheia de rugas, onde brilhava um olhar compreensivo e inteligente.
Surpreendeu-se ao constatar como aquele
momento da sua vida possuía tanta importância. Sempre pensara que o passado
estivesse morto e enterrado e que não havia mister de o ressuscitar. Mas,
sabia-o agora, o que se vive jamais desaparece. É pura ilusão crer que se podem
olvidar os piores momentos, ou, pelo menos, ignorá-los, fazendo de conta que
não existiram.
«Somos o nosso passado», murmurou, para si
própria, como numa prece. «Só o passado nos pertence. Quiçá nem exista aquilo a
que chamamos presente, apenas passado… E devir. Mas o devir ainda não somos».
Recordou como fora feliz no mosteiro. Os
enfermos olhavam-na com carinho e gratidão, alguns até chegavam a apelidá-la de
santa… Como o atributo da santidade e o cair em desgraça andavam lado a lado…
Pensou na gémea e desatou a chorar,
encolhida, naquele banco encostado ao casebre abandonado, embrulhada na sua
capa escura, debaixo da chuva miudinha, tão leve, que vagueava pelo ar, mudando
constantemente de direção. Como a sua vida. Sentiu-se uma daquelas gotículas,
sujeita aos caprichos do ar que a envolvia…
Hoje, uma santa. Amanhã, uma meretriz…
«Somos aquilo que os outros pensam de nós. Será
mesmo Deus que nos traça o destino, ao mais ínfimo pormenor? Ou tudo não
passará dos acasos da vida, da fortuna, dos azares?»
Gotas de chuva, a vaguear, ao sabor do vento…
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