Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

18 de fevereiro de 2015

Os Segredos de Jacinta - Excertos (12)


- Não te queres tornar uma de nós?
Jacinta olhou a moura tão atónita, que esta acrescentou:
- Ou julgas-te preciosa demais? Afinal, estiveste num convento… E deves saber ler e escrever, guardas esse teu livrinho como se de um tesouro se tratasse.
Jacinta remeteu-se ao silêncio, lutando consigo própria. Estava sozinha no mundo, valia menos do que um cão de pastor, ou uma vaca de camponês. Mais cedo, ou mais tarde, haveriam de abusar dela, como o Fuças fizera. Também nessa altura ela se esforçara por ser humilde e recatada. E de nada adiantara!
Não seria melhor passar da defesa ao ataque? Várias vezes, constatara que o mal não estava nos atos em si, mas nas circunstâncias em que ocorriam. Como soldadeira, poderia, pelo menos, escolher com que homem se deitar. E ainda ganharia dinheiro com isso.
Que mais lhe restava, como mulher, esgotadas que estavam as possibilidades do casamento e do mosteiro? Possibilidades que desperdiçara, fosse por azar, por burrice, ou por ruindade…
Olhou para Rosinha, de apenas cinco anos, que corria livre e feliz, pela areia. A única hipótese daquela catraia era tornar-se soldadeira, todas as outras lhe estavam vedadas. Porque condenava Deus crianças doces e inocentes a tal destino?
Não passaríamos todos de gotas de chuva a vaguear ao sabor do vento…
- Crês que me podias ensinar a bailar?
Zaida, que, perante o silêncio dela, tornara a concentrar a sua atenção no mar, mirou-a crítica. Depois, considerou:
- Bem, és tão alta como eu e, embora sejas magra, pareces-me bem-feita. Além disso, – pôs-lhe a mão debaixo do queixo, obrigando-a a erguer a cabeça, – tens uma pele clarinha e mimosa. Há homens doudos por isso. E esses olhos de gata também os enfeitiçam. – Recolheu a mão e acrescentou: - Desprende lá os cabelos!



4 comentários:

Bartolomeu disse...

Um grande romance!
Uma história da História, tão bem bem contada que transporta o leitor para o meio da ação, sem que disso se aperceba.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Na trajetória de aperfeiçoar livros a tornarem-se bons romances há modelos a actualidade; a exemplificar o resgate histórico, poucos.

Cristina Torrão disse...

Muito obrigada, Bartolomeu :)

Cristina Torrão disse...

E Cláudia, igualmente ;)