Este foi o terceiro Prémio LeYa que li e, de longe, do qual eu gostei mais. Lembrei-me muito de Alice Munro e é interessante constatar que o anúncio da vencedora do Nobel se deu poucos dias antes deste LeYa.
Estou a comparar as duas escritoras, não tanto pelo estilo,
mas pela sua maneira de dar conta de um quotidiano que, muitas vezes, só à
superfície é inofensivo, ou não passível de ser contado. Na minha opinião,
qualquer vida é digna de ser contada, depende da maneira como se conta. Nesta
nossa ânsia de vivências e sentimentos cada vez mais sofisticados,
esquecemo-nos das pequenas coisas do dia-a-dia, cheias de significância. O
mérito de Gabriela Ruivo Trindade e de Alice Munro é, a meu ver, pegar nesses pormenores
e trazê-los à luz.
Não resisto a repetir o que escrevi na opinião a A
Vista de Castle Rock: «romancear as tragédias
da Humanidade, como o Holocausto, as guerras, as ditaduras, etc. é muito
importante (contra o esquecimento) e dá livros espetaculares. Mas não menos
importante é trazer para a luz os escombros do dia-a-dia: vitórias e derrotas,
ilusões e desilusões, surpresas e rotinas, conversas e silêncios, esperanças e
medos, etc». Compreendo que esta não seja a preferência de muita gente, mas
Gabriela Ruivo Trindade tocou, no meu caso, no ponto certo. Apaixonei-me por
este livro e largava-o sempre contrariada, quando me via obrigada a fazer uma
pausa na leitura.
A ação centra-se em Estremoz, contando a vida de uma família
(ou episódios dela) entre os fins do século XIX e 1978. Gabriela Ruivo Trindade
revela especial sensibilidade e capacidade de se colocar na pele de várias
pessoas. Aprecio muito esta qualidade num(a) escritor(a), pois cada um vê o
mundo com os seus próprios olhos. Particularmente interessante, achei as diferentes
perspetivas no relato do quotidiano de uma família, conforme se trate do filho,
ou da mãe. A autora é licenciada em psicologia, o que penso ter contribuído para essa
sua capacidade.
Gostei igualmente da transcrição das páginas de um diário
real, no fim.
Adenda: como se pode ver, na caixa de comentários, a própria autora chama a atenção para o facto de que as passagens do diário também são ficção. Enfim, liberdades de escritora. A leitura do livro continua a recomendar-se.
Adenda: como se pode ver, na caixa de comentários, a própria autora chama a atenção para o facto de que as passagens do diário também são ficção. Enfim, liberdades de escritora. A leitura do livro continua a recomendar-se.
Tenho na lista o ultimo Prémio Leya, O meu irmão..
ResponderEliminarEu também. E estou muito curiosa. Mas tenho tantos outros à frente... "Uma Outra Voz" teve de esperar cerca de um ano. Se eu soubesse que ia gostar tanto, tinha feito batota na lista ;)
ResponderEliminarMuito obrigada pelo texto. Tomei a liberdade de comentar porque achei piada ao pormenor do diário real. Na verdade, os fragmentos do diário também são ficção. A única parte do livro que não é ficcionada são as fotografias. Com a sua licença, vou divulgar este texto na página oficial do livro.
ResponderEliminarGabriela Ruivo Trindade
Fiquei convencida de que o diário era real pela descrição das condições em que ele teria sido encontrado e recuperado. Presumo que também essa parte será ficção... Embora, realmente, me causasse uma certa estranheza o estilo de escrita do diário ser tão parecido com o do resto do livro. Até pensei: talvez a autora tenha completado alguns passos que não se conseguiriam ler bem.
ResponderEliminarEnfim, a minha opinião favorável mantém-se, gostei muito de ler.
E, sim, divulge o texto à vontade!