Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

14 de fevereiro de 2016

Dom Dinis "reloaded"



Conto reeditar, no fim deste mês, a versão revista e melhorada do meu romance sobre Dom Dinis, sob a forma de ebook. Em Maio, talvez surja uma versão em papel.

Para já, deixo-vos com a capa. E um excerto:

Num serão de Março, em que os cálices se esvaziavam num ápice, o rei encarregou os trovadores João Anes Redondo e Pêro Anes Coelho de entoarem a sua nova cantiga. Começava com um lamento dirigido à natureza: a donzela pedia às flores notícias do amigo que tardava em aparecer, receando que ele lhe houvesse mentido. O refrão consistia precisamente na pergunta: ai Deus, e onde está?

    Ai flores, ai flores do verde pino
    se sabedes novas do meu amigo!
        Ai Deus, e u é?

    Ai flores, ai flores do verde ramo,
    se sabedes novas do meu amado!
        Ai Deus, e u é?

    Se sabedes novas do meu amigo,
    aquel que mentiu do que pôs comigo?
        Ai Deus, e u é?

    Se sabedes novas do meu amado,
    aquel que mentiu do que m’ há jurado,
        Ai Deus, e u é?

 

A natureza interpelada punha fim à angústia da donzela, dizendo-lhe que o amigo estava vivo e sano e viria ter com ela dentro do prazo prometido. A simplicidade e o ritmo harmónico da cantiga pôs os convivas a cantar o refrão Ai Deus, e u é? em coro:

    Vós me perguntades polo voss’ amigo?
    e eu bem vos digo que é san’ e vivo.
        Ai Deus, e u é?

    Vós me perguntades polo voss’ amado?
    e eu bem vos digo que é viv’ e sano.
        Ai Deus, e u é?

    E eu bem vos digo que é san’ e vivo,
    e será vosc’ ant’ o prazo saído.
        Ai Deus e u é?

    E eu bem vos digo que é viv’ e sano,
    e será vosc’ ant’ o prazo passado.
        Ai Deus, e u é?


Se o fervor dos aplausos surpreendeu Dinis, maior foi o seu espanto, quando se exigiu a repetição da cantiga. Os versos não custavam a fixar e em breve todos cantavam em conjunto com os trovadores, erguendo os seus cálices na altura do refrão: Ai Deus, e u é?
(...)
No dia seguinte, os fidalgos e as damas, ao embrenharem-se pelos prados, começaram espontaneamente a entoar a cantiga do serão:

    Ai flores, ai flores do verde pino,
    Se sabedes novas do meu amigo!
        Ai Deus, e u é?


Parecia feitiço! Dinis espantava-se com o efeito daquela cantiga. Compunha outras bem mais elaboradas e que, embora apreciadas, asinha se olvidavam. Parecia haver magia naquelas palavras e naquele ritmo...



Nota: Embora transcritas na sua versão original, as cantigas de autoria de Dom Dinis são, no romance, enquadradas num contexto fictício.


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