Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

21 de fevereiro de 2016

O Solho Descomunal

Faz hoje 695 anos que Dom Dinis mandou elaborar uma ata curiosa, assinada por testemunhas de alta guisa e autenticada por um escrivão: nela ficaram descritas as características de um solho descomunal pescado no Tejo, perto de Santarém.

Tal documento intriga os historiadores que se perguntam em que circunstâncias terá ocorrido a sua elaboração. Sendo comummente aceite que Dom Dinis era dado aos prazeres da vida, criei a seguinte cena no meu romance sobre o Rei Lavrador:

Fonte




A cantiga acabou entre aplausos e gargalhadas estrondosas e os convivas reclamavam a sua repetição, quando um criado anunciou que Dom Guedelha, o rabi-mor do reino, pretendia falar com el-rei, pois tinha um colosso de peixe para lhe mostrar! Curioso, Dinis mandou-o entrar e Dom Guedelha surgiu acompanhado por quatro serviçais, que se viam aflitos para carregar um solho descomunal acabado de retirar do Tejo.

- Assim que lhe pus os olhos em cima - afirmou o judeu, - disse para a minha gente: ala a mostrá-lo a el-rei, que nunca na sua vida viu tal!

- E não é que é verdade? - concordava Dinis, dando uma palmada na coxa. - Estais de parabéns, Dom Guedelha! Pegai numa taça e bebei connosco!

Depois de se inclinar numa vénia, o rabi-mor pegou agradecido numa taça, que logo um pajem encheu de vinho. Os fidalgos começaram a comentar as dimensões do colosso: na boca, caberia um raposo inteiro e, desde aí, até à cauda, contavam-se, no espinhaço, trinta escamas do tamanho de conchas. Constatou-se ainda que o peixe media dezassete palmos e meio de comprimento e sete de grossura. El-rei quis saber quanto pesava e sugeriu que se deslocassem à adega, onde se encontrava a balança.

- Vamos todos - dizia ele, - pois é ver para crer. Um colosso destes merece testemunhas de peso!

Os fidalgos, rindo da piada que acharam oportuna, condescenderam, levando as suas taças na mão. O alferes-mor João Afonso, que mal se aguentava em pé, ia ainda a pegar numa jarra cheia, quando o cunhado de la Cerda lhe disse:

- Homem, deixai aqui a jarra, que ainda derramais o vinho pelas escadas abaixo!

Estas palavras arrancaram mais gargalhadas, que aumentaram de tom às palavras do falcoeiro Afonso Fernandes de Baião:

- Onde já se viu? O homem tem medo de morrer à sede numa adega cheia de pipas!

Em passos trôpegos e no meio de grande algazarra, lá chegaram ao destino. Depois de se pesar o peixe, pasmaram: dezassete arrobas e meia, pelos pesos de Santarém!

Todos juravam nunca haver visto cousa assim e Dinis ordenou que o fenómeno ficasse registado. Mandou procurar um escrivão que estivesse sóbrio. E logo ali se elaborou uma espécie de ata, onde se registaram as medidas e o peso do solho, confirmadas pela assinatura de todos os presentes.


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