Tal documento intriga os historiadores que se perguntam em que circunstâncias terá ocorrido a sua elaboração. Sendo comummente aceite que Dom Dinis era dado aos prazeres da vida, criei a seguinte cena no meu romance sobre o Rei Lavrador:
Fonte |
A
cantiga acabou entre aplausos e gargalhadas estrondosas e os convivas reclamavam
a sua repetição, quando um criado anunciou que Dom Guedelha, o rabi-mor do
reino, pretendia falar com el-rei, pois tinha um colosso de peixe para lhe
mostrar! Curioso, Dinis mandou-o entrar e Dom Guedelha surgiu acompanhado por
quatro serviçais, que se viam aflitos para carregar um solho descomunal acabado
de retirar do Tejo.
-
Assim que lhe pus os olhos em cima - afirmou o judeu, - disse para a minha
gente: ala a mostrá-lo a el-rei, que nunca na sua vida viu tal!
-
E não é que é verdade? - concordava Dinis, dando uma palmada na coxa. - Estais
de parabéns, Dom Guedelha! Pegai numa taça e bebei connosco!
Depois
de se inclinar numa vénia, o rabi-mor pegou agradecido numa taça, que logo um
pajem encheu de vinho. Os fidalgos começaram a comentar as dimensões do
colosso: na boca, caberia um raposo inteiro e, desde aí, até à cauda,
contavam-se, no espinhaço, trinta escamas do tamanho de conchas. Constatou-se
ainda que o peixe media dezassete palmos e meio de comprimento e sete de
grossura. El-rei quis saber quanto pesava e sugeriu que se deslocassem à adega,
onde se encontrava a balança.
-
Vamos todos - dizia ele, - pois é ver para crer. Um colosso destes merece
testemunhas de peso!
Os
fidalgos, rindo da piada que acharam oportuna, condescenderam, levando as suas
taças na mão. O alferes-mor João Afonso, que mal se aguentava em pé, ia ainda a
pegar numa jarra cheia, quando o cunhado de
la Cerda lhe disse:
-
Homem, deixai aqui a jarra, que ainda derramais o vinho pelas escadas abaixo!
Estas
palavras arrancaram mais gargalhadas, que aumentaram de tom às palavras do falcoeiro
Afonso Fernandes de Baião:
-
Onde já se viu? O homem tem medo de morrer à sede numa adega cheia de pipas!
Em
passos trôpegos e no meio de grande algazarra, lá chegaram ao destino. Depois
de se pesar o peixe, pasmaram: dezassete arrobas e meia, pelos pesos de
Santarém!
Todos
juravam nunca haver visto cousa assim e Dinis ordenou que o fenómeno ficasse
registado. Mandou procurar um escrivão que estivesse sóbrio. E logo ali se
elaborou uma espécie de ata, onde se registaram as medidas e o peso do solho, confirmadas
pela assinatura de todos os presentes.
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