Uma reportagem no Diário
de Notícias, na qual os entrevistados eram jovens, alguns estudantes do
Ensino Superior, levou uma conhecida editora a perguntar-se se «terá a
juventude de sofrer na pele para perceber que a política lhe diz respeito».
Penso que o teor do texto peca por generalizar, é a eterna
lengalenga de «este mundo está perdido», já usada por nossos bisavós, trisavós
e tetravós. Além disso, é faccioso: «À pergunta se
é de esquerda ou de direita, uma rapariga de 21 anos que estuda na Faculdade de
Letras afirma ser de direita “por uma questão familiar” (hereditariedade?)». O
tom irónico prende-se com o facto de a estudante dizer ser de direita, porque,
quando se é de esquerda, a hereditariedade até dá prestígio: fica sempre bem
dizer que o pai ou o avô foi perseguido pela PIDE, ainda melhor que esteve
preso.
Ponhamos a mão no coração, como dizem os alemães (nós diríamos
na consciência): quantos de nós se desviam da tendência política familiar? Quem
cresceu numa família de esquerda, costuma ser de esquerda, o mesmo se passando
com a direita.
E isto leva-me a outro tema: usa-se e abusa-se daquilo que
se herda da família… Mas apenas se a herança for considerada adequada. Os
desgraçados que não tiveram a sorte de nascer numa família de prestígio, ou “às direitas” -
desculpem, será melhor dizer “em condições” - veem-se às aranhas. É por isso
que embirro com expressões do género: «foi assim que aprendi, tive quem me
transmitisse valores»; ou «em minha casa, sempre houve educação». Como se fosse
uma virtude própria e não pura sorte! Expressões destas, ditas com arrogância q
b, só servem para espezinhar quem não teve tal fortuna. São, no fundo, uma
forma de discriminação, levada a cabo por gente que normalmente se vangloria de
não discriminar, porque, afinal, na casa deles «transmitiram-se valores».
Gente dessa desvaloriza-se, não tem virtudes próprias, tudo
lhes foi transmitido.
Virtude e valor tem aquele que reconhece que não aprendeu o
que é certo e possui a coragem de fazer o contrário! Embora não possa apregoar
aos quatro ventos: «tive quem me ensinasse valores», prova possuir coragem e
espírito de sacrifício. Se há algo custoso na vida é tentar fazer o contrário
daquilo que se aprendeu.
Sem comentários:
Enviar um comentário