Não leio apenas livros publicados e hoje dou a minha opinião
sobre um excelente romance, com uma estrutura complexa, de autoria de João J.
A. Madeira.
Mimos, Palhaços, Flores
de Figueira desenvolve-se
em três níveis narrativos e tem o seu quê de policial, pois há um crime que nos
mantém em suspenso até ao fim. Embora haja uma personagem, Mário Pastor, que
alega ter matado o pai e todas as evidências para isso apontem, o leitor duvida
que assim seja e só no fim o caso é esclarecido.
Fugido da polícia, Mário Pastor torna-se sem-abrigo,
revelando-nos as agruras deste tipo de vida, o mais baixo patamar do ser humano. Apelidados de
vagabundos, escumalha, ralé, os sem-abrigo são apenas gente, gente tão digna
como a que vira a cara à miséria, que destrói vidas sem o saber, que repudia a
cor da pele sem o admitir.
Num segundo nível narrativo encontramos uma história de amor que
se demora a revelar. A fim de
retomar uma amizade que, absurdamente, se perdera, Marcelo marca um número
quase esquecido no telemóvel. Alguém atende num silêncio só interrompido por
uma respiração ofegante e, subitamente, pelas palavras secas, nuas "acabo
de matar o meu pai". Na sua busca pela verdade, Marcelo conhece Matilde e o facto de não a achar particularmente bonita
impede-o de ver nela a mulher da sua vida. Por seu lado, Matilde foi a última
pessoa a falar com Mário Pastor, uma ausência tão presente na vida dela, que lhe torna difícil admitir o amor de Marcelo.
O terceiro nível
narrativo conta-nos a história do Castro, o homem que dez anos antes decidiu fechar a pequena firma de porcas e parafusos,
deixando no desemprego cinco funcionários que agora resolve chamar para o mesmo
local de trabalho, ainda que para um comércio algo estranho e original. Castro é o retrato do pequeno
empresário português, idealista e manhoso, mas com um lado humano, à moda antiga, criando um ambiente familiar no local de trabalho.
Os seus quatro funcionários completam o leque de personagens interessantes, personagens de segredos guardados, de vidas mal
resolvidas e que se vão cruzando com outras na busca de um assassino que nem se
sabe se o foi. A firma do
Castro é o ponto onde acabam por convergir todos os fios narrativos, já que o
quinto funcionário, desaparecido, é precisamente o homem que terá sido morto
pelo próprio filho.
João J. A. Madeira é um bom observador da vida e da natureza
humana e sabe cativar e surpreender o leitor, com viragens de enredo
inesperadas e situações insólitas, característica de que já me tinha apercebido
nos outros dois romances que li dele: O Rio que corre na Calçada e A Lenda desconhecida de Francisco Caga-Tacos.
Agradeço-lhe, por isso, o privilégio de ter igualmente podido
ler esta bela obra, que espero seja publicada, para que mais gente (muito mais)
possa usufruir dela.
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