Todos os amantes de animais gostarão de
ler este pequeno grande livro de Manuel Alegre. Mas também o aconselho a
pessoas que nada têm a ver com animais, principalmente, a quem não entende como
se pode considerar um animal um membro da família. A escrita poética e
assertiva do autor torna evidente, em poucas palavras, o facto de também os cães
terem sentimentos e conseguirem comunicar de forma incrível com os humanos.
«- Fiteiro, disse eu numa dessas
ocasiões.
- Como tu, retorquiu Joana, minha filha. Tu também fazes fitas, pai, às
vezes amuas para chamar a atenção ou para que a gente te dê mimos, o cão
percebe isso tudo. E os manos fazem a mesma coisa. Até a mãe. O cão imita-nos a
todos, tudo o que ele faz é para que se repare nele e se lhe dê mais carinho.
Não é por ser cão que ele não tem sentimentos». (p. 49)
O cão de que fala este livro já morreu e
Manuel Alegre, que, no início, não o queria conceber como membro da família,
acaba por lhe prestar esta homenagem, dando-nos pequenos episódios marcantes de
um animal que, segundo ele, «queria ser gente», «cão como nós».
«Quando envelheceu, passou a ter mais relutância
em meter-se dentro de água. Se a minha mulher se afastava um pouco mais, ele
abocanhava a toalha, atirava-a ao ar e começava a ladrar. Se ela nadava a favor
da corrente, ele vinha pela margem fora de toalha na boca. Era uma cena que se
repetia e começava a juntar pessoas que vinham ver aquele cão que trazia na
boca a toalha da dona como forma de lhe dizer que o seu lugar era em terra.
Então eu tinha ternura pelo cão. A agitação dele era uma forma de amor. Um amor
atento, aflito e vigilante. Estou a vê-lo na praia, de toalha nos dentes. Cão
bonito, apetece-me dizer». (p.65)
O Kurika foi um cão que conquistou o seu
lugar dentro de casa, junto da sua família. E Manuel Alegre dá-nos momentos
magistrais:
«Creio que ele também gostava da música
da poesia, da alquimia do verso, da litania e da celebração mágica que todo o
poema é. Algo que os bichos talvez entendam melhor do que os especialistas de
literatura.
Às vezes, eu dizia-lhe aquele fabuloso
verso de Camilo Pessanha:
«Só incessante um som de flauta chora.»
E ele arrebitava as orelhas. Tenho a
certeza de que estava a ouvir a flauta». (p. 104)
Um livrinho que se lê em duas horas, que
faz as delícias dos amantes dos cães e que ensina muito a todos os outros.
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