Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

28 de outubro de 2016

Cão Como Nós





Todos os amantes de animais gostarão de ler este pequeno grande livro de Manuel Alegre. Mas também o aconselho a pessoas que nada têm a ver com animais, principalmente, a quem não entende como se pode considerar um animal um membro da família. A escrita poética e assertiva do autor torna evidente, em poucas palavras, o facto de também os cães terem sentimentos e conseguirem comunicar de forma incrível com os humanos.

«- Fiteiro, disse eu numa dessas ocasiões.
  - Como tu, retorquiu Joana, minha filha. Tu também fazes fitas, pai, às vezes amuas para chamar a atenção ou para que a gente te dê mimos, o cão percebe isso tudo. E os manos fazem a mesma coisa. Até a mãe. O cão imita-nos a todos, tudo o que ele faz é para que se repare nele e se lhe dê mais carinho. Não é por ser cão que ele não tem sentimentos». (p. 49)

O cão de que fala este livro já morreu e Manuel Alegre, que, no início, não o queria conceber como membro da família, acaba por lhe prestar esta homenagem, dando-nos pequenos episódios marcantes de um animal que, segundo ele, «queria ser gente», «cão como nós».

«Quando envelheceu, passou a ter mais relutância em meter-se dentro de água. Se a minha mulher se afastava um pouco mais, ele abocanhava a toalha, atirava-a ao ar e começava a ladrar. Se ela nadava a favor da corrente, ele vinha pela margem fora de toalha na boca. Era uma cena que se repetia e começava a juntar pessoas que vinham ver aquele cão que trazia na boca a toalha da dona como forma de lhe dizer que o seu lugar era em terra. Então eu tinha ternura pelo cão. A agitação dele era uma forma de amor. Um amor atento, aflito e vigilante. Estou a vê-lo na praia, de toalha nos dentes. Cão bonito, apetece-me dizer». (p.65)

O Kurika foi um cão que conquistou o seu lugar dentro de casa, junto da sua família. E Manuel Alegre dá-nos momentos magistrais:

«Creio que ele também gostava da música da poesia, da alquimia do verso, da litania e da celebração mágica que todo o poema é. Algo que os bichos talvez entendam melhor do que os especialistas de literatura.
Às vezes, eu dizia-lhe aquele fabuloso verso de Camilo Pessanha:
«Só incessante um som de flauta chora.»
E ele arrebitava as orelhas. Tenho a certeza de que estava a ouvir a flauta». (p. 104)

Um livrinho que se lê em duas horas, que faz as delícias dos amantes dos cães e que ensina muito a todos os outros.


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