«Eu penso que é
totalmente por acaso que os erros que já cometi não são puníveis com penas de
prisão. Foram e são puníveis de outras maneiras. E penso que, ao longo de uma
vida, todas as pessoas tomam decisões erradas. Algumas dessas decisões magoam
outros, causam-lhes sofrimento verdadeiro. No entanto, a grande maioria desses
erros não são citados pelo código penal. Na verdade, só estão citados aqueles
que são concebíveis pelos espíritos práticos: os que são quantificáveis,
claramente observáveis, indiscutivelmente concretos. Só é pena que a vida não
seja assim: indiscutivelmente concreta».
"Fevereiro no estabelecimento
prisional" p. 588
«Cada vez que
participo num programa de televisão em directo tenho vontade de me levantar e
de, a completo despropósito, dar uma estalada no apresentador. Não tenho
nenhuma espécie de aversão para com qualquer apresentador. Pelo contrário.
Normalmente, são pessoas que sabem fazer muito mais expressões faciais do que
aquelas que mostram. A corrente que me puxa é a curiosidade acerca daquilo que aconteceria
depois. Fazem-me perguntas: quando começou a escrever?, porque escreve?, quais
são os autores que mais o influenciaram? Eu respondo devagar, e, por detrás de
cada palavra, sinto vontade de levantar-me, ter a completa percepção de todos
os meus movimentos e dar-lhes uma estalada».
"Algumas
coisas invisíveis" p. 394
Escolhi estas duas passagens porque
ilustram bem a minha opinião sobre este livro: no cômputo geral, muito bom, com
passagens magistrais (como a primeira), mas, por vezes, achei-o menos bom, em
casos pontuais, mesmo disparatado.
Note-se, porém, que é uma coletânea de
crónicas que o autor foi publicando durante vários anos. Num caso destes, é
normal que algumas sejam menos boas. Realce-se a capacidade do autor de
escrever sobre si próprio e as suas vivências. Gostei particularmente das
relativas à sua infância.
Um outro aspeto menos bom é o tamanho do
livro (664 páginas, em letra miúda), o que torna a sua leitura, por vezes,
maçadora, principalmente, quando deparamos com mais uma crónica em que nos
perguntamos porque raio foi escrita, ou melhor, porque foi ali incluída. Talvez
não seja má ideia intercalar a leitura deste Abraço com outras, já que não há o perigo de se perder o fio à
meada do enredo.
Acresce-me dizer que o livro foi uma boa
surpresa. A única coisa que tinha lido de José Luís Peixoto fora um extrato de
umas divagações à volta d’Os Lusíadas,
de que não gostei. Agora, fiquei interessada e com certeza tornarei a ler este
autor.
Sem comentários:
Enviar um comentário