Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

7 de outubro de 2016

Abraço





«Eu penso que é totalmente por acaso que os erros que já cometi não são puníveis com penas de prisão. Foram e são puníveis de outras maneiras. E penso que, ao longo de uma vida, todas as pessoas tomam decisões erradas. Algumas dessas decisões magoam outros, causam-lhes sofrimento verdadeiro. No entanto, a grande maioria desses erros não são citados pelo código penal. Na verdade, só estão citados aqueles que são concebíveis pelos espíritos práticos: os que são quantificáveis, claramente observáveis, indiscutivelmente concretos. Só é pena que a vida não seja assim: indiscutivelmente concreta».
"Fevereiro no estabelecimento prisional" p. 588

«Cada vez que participo num programa de televisão em directo tenho vontade de me levantar e de, a completo despropósito, dar uma estalada no apresentador. Não tenho nenhuma espécie de aversão para com qualquer apresentador. Pelo contrário. Normalmente, são pessoas que sabem fazer muito mais expressões faciais do que aquelas que mostram. A corrente que me puxa é a curiosidade acerca daquilo que aconteceria depois. Fazem-me perguntas: quando começou a escrever?, porque escreve?, quais são os autores que mais o influenciaram? Eu respondo devagar, e, por detrás de cada palavra, sinto vontade de levantar-me, ter a completa percepção de todos os meus movimentos e dar-lhes uma estalada».
"Algumas coisas invisíveis" p. 394

Escolhi estas duas passagens porque ilustram bem a minha opinião sobre este livro: no cômputo geral, muito bom, com passagens magistrais (como a primeira), mas, por vezes, achei-o menos bom, em casos pontuais, mesmo disparatado.

Note-se, porém, que é uma coletânea de crónicas que o autor foi publicando durante vários anos. Num caso destes, é normal que algumas sejam menos boas. Realce-se a capacidade do autor de escrever sobre si próprio e as suas vivências. Gostei particularmente das relativas à sua infância.

Um outro aspeto menos bom é o tamanho do livro (664 páginas, em letra miúda), o que torna a sua leitura, por vezes, maçadora, principalmente, quando deparamos com mais uma crónica em que nos perguntamos porque raio foi escrita, ou melhor, porque foi ali incluída. Talvez não seja má ideia intercalar a leitura deste Abraço com outras, já que não há o perigo de se perder o fio à meada do enredo.

Acresce-me dizer que o livro foi uma boa surpresa. A única coisa que tinha lido de José Luís Peixoto fora um extrato de umas divagações à volta d’Os Lusíadas, de que não gostei. Agora, fiquei interessada e com certeza tornarei a ler este autor.


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