«Há coisas que, ainda que contadas de modos diversos, desfiguradas ou até inventadas, são verdade, verdade absoluta. Procure cada um nos seus conhecimentos, nas suas lembranças, e veja se não é assim. Então, para quê contá-las, para quê escrevê-las, perguntar-se-á. Para quê? Para que se preste ao fictício a atenção que não se prestou ao real. Factos há que, de tantas vezes que se repetem, se tornam trivialidades: ninguém os sente, ninguém os avalia, ninguém os comenta. Afazemo-nos a eles como um organismo se afaz a certas drogas que, no entanto, tomadas a primeira vez, produziram uma reação extraordinária. Os venenos da alma parecem-se com os venenos do corpo. Se não vos conseguir convencer destas e de outras coisas, alguém um dia vos convencerá».
p. 149
O que mais me agradou neste livro de
Isabel Rio Novo foi o olhar para a crueldade, o absurdo e o inacreditável na
vida quotidiana. As tais coisas a que nos acostumamos e a que já não damos
importância. Também os segredos que cada um esconde, por vezes, graves, as
frustrações e o sofrimento acumulado transformados nas tais crueldades, ou em
atitudes inexplicáveis, me cativam. Porque tem de haver sempre uma válvula de
escape. Acrescente-se as vidas adiadas, as oportunidades perdidas, por medo, ou
por acomodação, e temos uma leitora rendida (pelo menos, no meu caso).
Nesse aspeto, a autora fez-me lembrar
Alice Munro, de quem muitas vezes se diz que escreve sobre coisas banais. Mas
é só preciso estar com atenção, ou possuir sensibilidade suficiente, para descobrir
o turbilhão por baixo da superfície calma.
Outra vantagem deste livro é dar-nos um
bom retrato da sociedade portuense do século XIX, embora não o achasse
camiliano (como já li), apenas a época descrita é a mesma. Isabel Rio Novo tem
um estilo muito diferente e ainda bem, pois tem o seu próprio estilo, sem
precisar de imitar ninguém. Uma nota negativa para certas frases muito longas, de orações encaixotadas umas nas outras (como se diz em alemão) que, por vezes, nos fazem esquecer qual o início da oração principal. Trata-se de uma marca de estilo que pode resultar, mas, neste caso, talvez seja aconselhável aperfeiçoar.
Sem dúvida (e apesar de não ser o de
melhor qualidade literária; aí, continuo a apostar em Que Importa a Fúria do Mar), esta foi a obra finalista do Prémio
LeYa que mais me agradou ler.
Nota: comprei o livro na Feira do Livro do
Porto, em dia de sessão de autógrafos da autora, e não resisto a publicar a
fotografia da praxe, agradecendo a simpatia de Isabel Rio Novo.
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