A propósito do seu quarto livro, que chegará em breve
às livrarias, a autora afirma:
«É um livro que existe muito à volta do conceito de
memória, mas aqui o postulado é inverso àquele que consideramos como válido,
porque o que está no livro não é tanto lembrar, é mais esquecer. Ou seja, como
é que devemos esquecer para conseguir viver. Isto é trabalhado do ponto de
vista filosófico – porque é que devemos esquecer determinados momentos da nossa
vida para seguir em frente, quase como se os pudéssemos aspirar ou deitar fora
– e é trabalhado do ponto de vista científico— de que forma é que podemos
interferir no cérebro humano para apagar determinadas memórias que são
traumatizantes e paralisantes, que funcionam quase como uma doença, para que
uma pessoa consiga ser funcional».
É difícil comentar sem ter lido o livro, mas uma coisa
é certa: ninguém consegue «aspirar ou deitar fora» momentos da sua vida, isso é
impossível. Boas ou más, traumatizantes ou motivadoras, as vivências estão registadas
no nosso subconsciente e, mesmo que não nos lembremos delas (no caso de amnésia,
por exemplo, temporária ou permanente), parece cientificamente seguro que elas
continuam a influenciar-nos.
É humanamente impossível «apagar determinadas memórias
que são traumatizantes e paralisantes, que funcionam quase como uma doença,
para que uma pessoa consiga ser funcional». Esta hipótese não é de todo
saudável. Muitas memórias funcionam realmente como uma doença (e não «quase»).
A solução, porém, não está em apagá-las! As pessoas que o tentam fazer passam a
vida numa fuga constante e angustiante, em busca de coisas que as distraiam, com
pânico de parar para pensar. Este tipo de vida, desgastante, torna-se muito
propício à depressão.
Por mais traumatizantes que sejam as memórias, só conseguimos
ser funcionais se aprendermos a viver com elas; se as trouxermos à superfície e
nos deixarmos envolver por elas, aceitando-as. Elas fazem parte do nosso ser,
da nossa identidade. Nós não somos máquinas. Nós somos as nossas memórias!
Apagá-las significa deixar de sermos quem somos, desistir da nossa identidade
para passarmos a ser outra pessoa.
Resta acrescentar: felizes daqueles que sabem quais são as suas memórias traumatizantes. Anda tanta gente traumatizada por aí, sem fazer ideia... Na melhor das hipóteses, acham que têm mau feitio, ou que há algo de ruim dentro deles.
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