«Em Portugal, houve nas últimas décadas uma explosão de investigações que alargou imenso as temáticas (…) Sabemos hoje muito mais sobre o que aconteceu no território que veio a tornar-se Portugal, e sobre o reino português, do que há 25 anos, e de uma forma mais plural» - palavras da historiadora Maria de Lurdes Rosa, na entrevista que serve de introdução a este especial Visão História.
A publicação cumpre aquilo que a historiadora nos promete. Abrange toda a época medieval (do século V ao XV), dando-nos informações sobre aspetos normalmente desprezados pela nossa História, mas essenciais para entendermos a formação de Portugal e as raízes do nosso povo, como a época dos reinos Suevo e Visigodo e a era islâmica, bem mais diversificada do que aquilo que nos fizeram crer, durante séculos. Além disso, apresenta artigos sobre a vida dos camponeses, os mesteres, a organização da sociedade, as finanças, o ensino, a cultura, a literatura, etc. Porque estudar a História não é apenas decorar datas e nomes de reis, batalhas e guerras.
E, no entanto, "não há bela sem senão". O artigo sobre D. Afonso Henriques, cheio de incongruências, não possui o nível qualitativo das outras contribuições. Para começar, o autor, Luís Almeida Martins, diz-nos que o «político e jurista Diogo Freitas do Amaral (…) deu em 2006 à estampa o livro D. Afonso Henriques - Biografia». Na verdade, esse livro é seis anos mais velho, foi publicado, pela primeira vez, no ano 2000, pela Bertrand Editora. Mais à frente, D. Teresa surge como sendo galega, quando não se sabe ao certo onde nasceu, embora se considere ter sido leonesa. Aponta-se o castelo leonês de Ulver, situado nos montes do Bierzo, como local do seu nascimento. Luís Almeida Martins diz-nos ainda haver uma lenda que diz ser D. Afonso Henriques filho de Egas Moniz, ou seja, o nosso primeiro rei teria sido fruto dos amores ilícitos de D. Teresa com o fidalgo de Ribadouro! Ora, a lenda não fala de “amores ilícitos”. O pequeno Afonso teria nascido aleijado das pernas e D. Egas Moniz, encarregado da sua educação, resolveu trocá-lo, ainda bebé, por um filho seu da mesma idade. Neste caso, a mãe nunca poderia ser D. Teresa! E, para dar mais um exemplo da falta de cuidado na escrita deste capítulo, atente-se à seguinte passagem: «já com 60 anos, D. Afonso Henriques (…) tentou apoderar-se de Badajoz. Ali, teve de lutar contra mouros e leoneses, acabando prisioneiro de Afonso VII (…) Acabaria por ser libertado pelo primo em troca de uma faixa de terreno na Galiza». Na verdade, quando o nosso primeiro rei atacou Badajoz, em 1169, o seu primo estava já morto há doze anos! Quem o fez prisioneiro foi Fernando II de Leão, filho do dito Afonso VII. E, diga-se de passagem, genro do próprio Afonso Henriques.
Tenho ainda uma crítica a fazer a este especial Visão História: falta um artigo dedicado a D. Teresa! Ela aparece-nos em vários momentos, incluindo um capítulo intitulado Ser Rainha, no meio de, por exemplo, D. Mafalda de Saboia, D. Isabel ou D. Filipa de Lencastre. D. Teresa não se enquadra, porém, neste contexto. Ela não se limitou a ser esposa de um rei (até porque foi casada com um conde); ela regeu sozinha sobre o condado Portucalense durante dezasseis anos. D. Henrique continua a ter mais destaque do que ela. Mas, como eu já referi no Delito de Opinião, D. Teresa marcou indubitavelmente a independência em relação a sua meia-irmã D. Urraca, a única herdeira do imperador Afonso VI. Recusou-se terminantemente a prestar-lhe vassalagem, assim como ao sobrinho (depois da morte de D. Urraca em 1126). Ou seja: muito mais do que o conde D. Henrique, ela foi a preparadora do caminho que seu filho haveria de percorrer.
Pelos vistos, e apesar do avanço do estudo histórico, D. Teresa ainda é limitada à adúltera, a quem o filho teve de pôr na ordem. E, não contentes com os irmãos de Trava, ainda lhe querem impingir outro amante, o próprio Egas Moniz! Haja paciência!
Estátua da rainha D. Teresa, em Ponte de Lima