Constatei, nas redes sociais, que muitas pessoas ficaram chocadas com esta reconstrução do rosto de D. Dinis, apresentada no passado dia 7, nos 700 anos da sua morte. Há quem faça mesmo disto uma anedota, rindo-se e dizendo piadas.
Não sei se quem brinca com o assunto pretende passar um atestado de incapacidade aos autores da reconstrução. O rosto do rei português foi reconstruído através de impressão 3D na Liverpool John Moores University FaceLab, sob coordenação científica da antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, que fez parte da equipa multidisciplinar encarregada do Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo de D. Dinis.
Não tenho competência para avaliar o trabalho da Liverpool John Moores University FaceLab. E nunca saberemos se estas reconstruções faciais estão realmente perto da realidade. Mas todo este estranhamento tem seguramente a ver com a imagem de D. Dinis formada na cabeça de todos nós. E sob que pressupostos?
D. Dinis, um rei poeta, culto, fundou a Universidade e amava a vida (significa: as mulheres - como se só os homens pudessem amar “a vida”). Ora, estes pressupostos não formam, na nossa cabeça, o rosto de um homem envelhecido e triste. Além disso, é apresentado com olhos azuis e, apesar do cabelo quase todo branco, pode adivinhar-se ter sido algo como loiro. Isto parece desagradar a muita gente, vá-se lá saber porquê.
Vamos por partes.
Rei poeta, culto, fundador da Universidade portuguesa: disto, não há dúvida. Mas que nos diz sobre a sua aparência? “Amava a vida” - não mais do que os outros. D. Dinis teve amantes, sim, como (quase) todos os reis. Na verdade, porém, ele está longe de ser o monarca português com maior número de amantes e de filhos ilegítimos.
Esta reconstrução mostra-nos como ele era à altura da sua morte e bem pode estar perto da realidade. D. Dinis viveu os seus últimos três anos com graves problemas de saúde. Por duas vezes, foi atingido, calcula-se, por um AVC, ou enfarte. Da segunda vez, morreu mesmo, aos 64 anos. E não esqueçamos que os cuidados médicos, na sua época, não se podem comparar aos de hoje.
Há, porém, ainda a referir um outro motivo, talvez o maior, para o seu desgaste: nos últimos cinco anos de vida, D. Dinis viu-se a braços com uma guerra civil, uma guerra contra o seu próprio filho e herdeiro, que dilacerou o reino. Uma guerra não só de armas e combates, mas também de muitos nervos, raiva e desespero (como só o pode ser, entre pai e filho). Quando faleceu, a 7 de Janeiro de 1325, D. Dinis era um homem esgotado, quebrado, amargurado.
No decorrer deste ano, talvez sejam reveladas informações mais concretas sobre a sua morte. Está prevista uma "exposição itinerante dedicada à divulgação dos resultados do Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo D. Dinis, a inaugurar a 18 de abril". Vai ainda haver um "Congresso Internacional, a decorrer dias 27 e 28 de junho, no Mosteiro de Odivelas", e vai ser lançado um "livro monográfico/catálogo que reunirá o conjunto de estudos interdisciplinares desenvolvidos", com data prevista em outubro.
O avô materno de D. Dinis era Afonso X, rei de Castela, apelidado de o Sábio. Também ele culto e poeta, revolucionou a vida cultural toledana, ao reunir letrados cristãos, judeus e muçulmanos, fomentando a tradução, para latim e castelhano, de muitos tratados árabes sobre várias áreas do saber, como a medicina e a astrologia. Foi autor de um novo Código Legal e de vários livros, incluindo uma História da Hispânia. Também escreveu versos e compôs música, são de sua autoria as Cantigas de Santa Maria, escritas em galaico-português (a língua dos poetas da época), um dos maiores tesouros literários medievais da Península Ibérica.
Afonso X o Sábio tinha ascendentes germânicos e costuma ser representado como ruivo. Na sua biografia do rei-poeta, o Professor José Augusto de Sotto Mayor Pizarro é perentório a afirmar que D. Dinis era igualmente ruivo, não só baseado nas observações feitas, por altura da “abertura acidental” do seu túmulo, em 1938 (p. 274), como pelos genes que herdou. Passo a citar da citada biografia (mesma página):
"D. Dinis não foi o único ruivo da sua família, uma vez que o seu tio materno, o infante D. Fernando de Castela, herdeiro de Afonso X falecido em vida do pai, também era ruivo (…) esta herança terá sido recebida do lado da mãe de Afonso X de Castela, a rainha D. Beatriz, filha de Filipe da Suábia e neta paterna do grande imperador Frederico I, de alcunha o Barba Ruiva."
No túmulo de D. Dinis, foram de facto encontradas evidências de cabelos ruivos, castanhos claros e grisalhos. E o Professor Sotto Mayor Pizarro diz ainda, na página 275 da citada obra, que o rei-poeta possuía possivelmente “olhos claros”.
Excelente!
ResponderEliminarGostei muito da sua exposição.
Beijinhos
Olinda
Obrigada, Olinda.
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