Depois de ver o pai ir-se embora, deixando-a no meio daquela região seca e solitária, na região de Burgos, Jette não conseguiu evitar a tristeza. Preocupava-se igualmente com a Pinou, já um pouco emagrecida. Conseguiria encontrar relva fresca, por aqueles caminhos de cascalho, que tinham ainda a desvantagem de acelerar o desgaste dos “sapatos” da égua?
Jette fixou a sua atenção nos aspetos positivos. O sol brilhava e a temperatura era amena (17ºC). E encontrava fontes pelo caminho, como aliás já lhe haviam dito ser usual em Espanha, onde a Pinou podia matar a sede.
Para a primeira noite, Jette encontrou, inclusive, um relvado com uma fonte, à saída de uma aldeia. Teve algumas reservas em montar a tenda em terreno público, sem permissão, mas ninguém reclamou. Pelo contrário. Várias pessoas passeavam por ali, com os seus cães, e cumprimentavam-na. Muitas tentavam conversar com ela, mas Jette quase nada entendia. Mesmo servindo-se do tradutor do Google, a comunicação era difícil. E ela estava cansada. Não obstante a simpatia das pessoas, a situação mostrava-lhe as dificuldades que teria de enfrentar, naquele país. Quando se recolheu na tenda, a moça sentiu-se muito sozinha.
Nos dias seguintes, Jette tinha dificuldades em encontrar onde dormir. Sucediam-se as aldeias e quintas abandonadas.
Num certo serão, era já bem tarde, quando encontrou uma localidade habitada. Sem vontade de procurar um lugar adequado, montou a tenda num parque infantil relvado. Ainda ali brincavam algumas crianças, preocupando Jette, pois os pais poderiam não ficar satisfeitos.
Mas niguém reclamou. Na verdade, os petizes ficaram muito entusiasmados com aquelas viajantes exóticas e até arranjaram maneira de carregar o powerbank de Jette.
Numa outra aldeia, parcialmente abandonada, Jette sentia os olhares curiosos pousados sobre si, quando lá entrou. Acabou por encontrar os obrigatórios fonte e relvado. Montou a tenda e encontrava-se a planear a rota para o dia seguinte, quando um carro parou à sua frente. Um espanhol começou a falar com ela. Sem o entender, Jette acabou por responder apenas “Sí”. O homem abalou. Passado um quarto de hora, surgiu-lhe com um saco de comida. E a surpreendida Jette acabou por jantar bem melhor do que pensava.
Depois de mais uma noite passada na tenda, uma mulher veio ter com ela, convidando-a para tomar o pequeno-almoço e autorizando-a a tomar duche em sua casa. Lá chegada, Jette constatou que o marido sabia falar inglês, tornando a comunicação bem mais fácil. Surpreendeu-se com o pequeno-almoço, onde abundavam os croissants e as bolachas. À despedida, ainda lhe deram um saco de comida.
Numa outra aldeia, quando estava a montar a tenda, foi abordada por uma idosa, que tinha vivido oito anos na Alemanha e sabia falar alemão. Os outros habitantes aperceberam-se da conversa animada entre as duas e, inteirando-se da jornada de Jette, trouxeram-lhe o jantar. A idosa, apesar de não ter um quarto para a moça, quis mostrar-lhe a sua casa, onde vivia sozinha e onde as duas passaram o serão a ver fotografias da sua família.
Apesar destes bons momentos, Jette passava dias inteiros sem encontrar ninguém, pelo caminho, enquanto percorria o planalto seco. Além disso, os dias ficavam cada vez mais curtos e, à noite, a temperatura chegava a descer aos 8ºC, com vento. Condições difíceis para dormir na tenda.
A 1 de novembro, o 54º dia da viagem, Jette atravessou o Douro (Duero), a caminho de Traspinedo, perto de Valhadolid.
Ao serão, escreveu no diário (tradução minha): “Neste momento, apenas desejo chegar ao destino. Segundo o Maps, são ainda 330 km até Castelo Branco, embora eu saiba que acabarão por ser mais. Sinto-me esgotada e noto que também a Pinou está cansada. Talvez a bonita paisagem nos consiga ainda animar, mas, por agora, estamos as duas cheias desta jornada”.
Logo a seguir, porém, tentou animar-se (admiro esta sua capacidade de olhar, sempre, para os aspetos positivos): “Por outro lado, fascina-me a confiança total que a Pinou deposita em mim. Ela seguir-me-ia incondicionalmente para todo o lado. E constato que, em Espanha, as pessoas são generosas, muitas vezes, melhores do que se pensa. Tenho de ter sempre presente este tipo de experiências, nos meus pensamentos – uma oportunidade enorme, um presente inacreditável”.
Compensou acreditar na generosidade das pessoas. A hospitalidade de nuestros hermanos não deixou de surpreender Jette. Talvez eu própria, ao ler o seu diário, tenha ficado ainda mais surpreendida do que ela.
Num serão, depois de encontrar um relvado, a moça preparava-se para tirar a sela a Pinou, quando uma mulher veio ter com ela. Sabia falar inglês, morava ali mesmo ao lado e convidou-a para jantar e pernoitar em sua casa. Veio mesmo a calhar, sendo as noites já tão frias.
Numa outra aldeia, foi abordada por várias pessoas e, quando ela disse não falar espanhol, foram logo buscar quem soubesse inglês. Este “tradutor” convidou-a para jantar e pernoitar na casa da sua família, podendo a Pinou ficar no terreno relvado do vizinho. Além disso, entrou em contacto com conhecidos na aldeia onde Jette programara passar a próxima noite, logo lhe arranjando alojamento.
Talvez não fosse assim tão difícil continuar até à fronteira portuguesa, em pleno Novembro.
Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:
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