Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

16 de janeiro de 2015

Somos Dois Em Um



Achei muito interessante a crónica de Gonçalo M. Tavares, na revista Visão nº 1137 (18 a 24 de dezembro de 2014). Interessante e ternurenta, aliás. «Crescer é, pois, entre muitas outras coisas, aprender a cuidar de si», escreve ele, «mais tarde, já somos capazes de decidir (quando já caminhamos ou gatinhamos) se avançamos para um ponto ou para o lado oposto (…) Começamos aí, a ser dois, a deixar de ser um».

Gosto desta ideia de sermos dois, «uma parte que cuida e outra que é cuidada», ou seja, «uma das nossas partes mantém-se exatamente como nasceu». Isto confirma a teoria da criança interior, de que já aqui falei, ligando-a inclusivamente a Saramago. Somos um núcleo (a parte que se mantém como nasceu, a verdadeira essência do nosso ser) e o que aprendemos (a nossa «parte cultural», nas palavras de Gonçalo M. Tavares). E, digo eu, o nosso equilíbrio – a nossa saúde mental e o nosso carácter – depende da sintonia entre estas duas partes. Se formos culturais demais, esmagando ou ignorando a nossa parte bebé/criança, vivemos oprimidos, insatisfeitos, stressados, tendemos a depressões e outras neuroses. Ao contrário, isto é, se a nossa «parte cultural» deixa a criança sem controlo, somos inconstantes, irresponsáveis, desrespeitadores, o que aliás, além de prejudicar os outros, também pode gerar psicoses.

Só gostaria de acrescentar algo! Gonçalo M. Tavares diz que «o cuidar do outro é a base da humanidade». E, embora ele acrescente, entre parênteses, «no nosso caso», ao lermos a sua crónica, ficamos com a impressão de que os humanos são os únicos capazes de transmitir experiência e sabedoria aos descendentes e de construir solidariedade entre si. «Há animais que mal nascem (…) são logo autónomos nas situações mais extremas (…) já caçam e matam». É verdade. Mas também há inúmeros animais que, tal como nós, só sobrevivem porque «está outro ao lado, mais velho, que não cuida apenas de si próprio». Nalguns casos, esse acompanhamento é igualmente longo, dura vários anos, como acontece com os elefantes. Animais desse tipo (mamíferos, mas talvez não todos) também são capazes de interagir, de construir relações sociais complexas e de desenvolver ternura por alguns membros da sua sociedade.

A humanidade é qualidade exclusiva dos humanos, sim, porque é o nome que damos à solidariedade que construímos entre nós. Mas não nos devíamos esquecer de que há muitas outras criaturas de Deus capazes de criarem solidariedade e cumplicidade. Perguntem ao Criador, que Ele confirma!


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